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A Despedida de um grande humanista

13 de Julho de 2017, por João Magalhães

Despediu-se de nós, maio agora, dia 12, Antonio Candido de Mello e Souza , 98 anos.

Desde o momento em que comecei a meditar sobre o sentido da vida e a responsabilidade que temos de cuidar dela, pois até agora somos os únicos capazes disso, aderi ao Humanismo, bem definido por Terêncio (190-159 a.C) em célebre verso: “Sou Ser Humano e nada do que é humano me pode ser indiferente” (“Homo sum, et humani nihil a me alienum puto”).

Sou “devoto” de alguns grandes humanistas brasileiros, tal a significância que tiveram para mim: Sobral Pinto, Dom Paulo Evaristo Arns (já escrevi sobre eles), Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), a quem ainda devo um testemunho, Antônio Candido.

Antônio Candido nasceu no Rio de Janeiro em 1918. Passou a infância e adolescência em cidades interioranas de Minas Gerais, mas foi em São Paulo que se formou e exerceu suas atividades.

Iniciou cursando paralelamente Ciências Sociais e Direito na USP. Abandonou o Direito no 5º ano e concluiu Ciências Sociais em 1942.  Embora sociólogo de graduação, com doutoramento em 1954 (que virou livro famoso: Os Parceiros do Rio Bonito), é como professor de Literatura Brasileira da USP que se projetou no cenário cultural do país.  

Meu primeiro contato com ele, foi ao ler sua obra, fundamental para o ensino da Literatura Brasileira: Formação da Literatura Brasileira, de 1959.

E assim, às vezes participando, quase sempre apoiando, fui seguindo, na expressão de Walnice Galvão, “os caminhos de um grande homem das letras e da justiça”. Entre tantos:  atuação como membro da Comissão de Justiça e Paz, criada por Dom Paulo Evaristo Arns; criação do famoso Suplemento Cultural do Estadão; empenho para resolver a “guerra” entre os estudantes da Maria Antônia (USP) e da  Makenzie;  fundação do PT; colaboração com o jornal Opinião e a direção da revista Argumento, (1973-1974) proibida pela ditadura no 4º número; luta pela anistia, pela reintegração dos cassados, pela redemocratização; criação da Associação dos Docentes da USP e muito mais.

Os numerosos artigos, comentários e pronunciamentos por ocasião de sua morte, confirmam, em sua maioria, o que ficou marcado em mim e muito realçado num bate-papo com ele, aberto ao público, num auditório do SESC em São Paulo. Faz muito tempo. Era uma data comemorativa da vida dele. Lembro-me que conversei também com a Lygia Fagundes Telles. Foram aproximadamente umas 4 horas de conversa.

Escolhi alguns testemunhos de intelectuais e figuras públicas que conviveram com Antônio Candido, que confirmam a importância dele enquanto humanista, professor e intelectual.

“Um intelectual de grande alcance de pensamento e fina erudição, mas com clareza de escrita, isenta de posições dogmáticas e jargão profissional” (Walnice Galvão). “Um intelectual que gostava de criar espaços de cultura” (Augusto Massi), que em palestra, “O Direito à Literatura, fundamenta o direito à fruição generalizada da criação artística como um bem incompressível por ser uma necessidade básica” (Celso Lafer). “Um crítico engajado não só porque militou, com coragem, na vida política, mas também porque encarava a literatura como um instrumento de interrogação da realidade” (José Castello). “Aberto aos jovens autores” (Raimundo Carrero). “Foi nosso melhor crítico literário, um sociólogo com uma visão inédita e brilhante do Brasil e um homem coerente até o fim que protagonizou como ninguém a conturbada história da relação do intelectual brasileiro com a política. Foi um humanista antes de qualquer outro título” (Luiz F. Veríssimo).

“Um exemplo de vida modelarmente ética. Figura rara. Manteve sua postura digna, limpa. Um exemplo para o ensino e a memória nacional” (Affonso R.de Sant’Anna). “Exemplo de uma vida modelarmente ética. Exemplo de grande dignidade” (Ana Maria Machado), “atravessando momentos da História, mesmo os sombrios, sem perder o sentido dos valores” (Adauto Novaes). “Que acreditava que os valores humanistas poderiam ser resgatados” (Marina Mello e Sousa, sua filha). “Humanista convicto, teve uma importantíssima atuação a favor da transformação social e do direito dos trabalhadores” (Lula).

“Extraordinário carisma pessoal, naturalmente elegante, acolhedor, acessível a todos. Nada pernóstico. Um conversador fascinante e professor perfeito” (Fernando H. Cardoso). Humberto Werneck: “Entre muitas coisas boas, para mim ficou, pois, de Antonio Candido, o couseur maravilhoso que ele foi, dono de uma conversa que, mesmo quando se esgalhava em aliases, tinha sempre um fio saboroso, tobogã verbal em que o ouvinte deslizava, em estado de boquiaberto encantamento”. Concordo.

Desculpe esta canonização e concordância com os testemunhos, pois é o que deixou em mim também.

Comentários

  • Author

    Caro João Magalhães, de fato perdemos um humanista. O homem se foi, mas seu trabalho está entre nós. Seus textos, sempre preocupados com o ser humano em diversas facetas e situações da vida, continuam tendo algo de sério e importante para ser dito. Basta lê-los, e poderemos ver isso. O ensaio dele "O direito à literatura" é uma obra prima, um discurso e uma discussão que deveriam ser lidos por todos. Encontro ali um belo e operacional conceito de literatura, e também encontro nas mesmas linhas uma importante análise que nos demonstra a importância da arte na vida humana. Antonio Candido é um dos meus mestres, quem sempre leio e que sempre me ensina no que concerne à sociedade e à literatura brasileira. Bela e necessária homenagem feita por você a ele nas páginas do JL. Um grande abraço.


  • Author

    Obrigado pelas palavras, Evaldo. Quanto ao humanismo, lembro do fascínio que exerceu em mim o Dr. Albert Schveitzer, abandonando tudo e embrenhando-se nos confins de Lambarène. Levando às desamparadas aldeias negras seus cuidados médicos e a música de Bach, especialidade dele, com seu harmônio de fole. Tal a veneração à vida, que que ficava incomodado quando esmagava uma formiga(em plena floresta africana!), assim escreveu.


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