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A função social e religiosa das Irmandades Católicas

26 de Abril de 2023, por João Magalhães

Membro da tradicional Irmandade do Santíssimo Sacramento de Resende Costa carregando a cruz na Procissão do Encontro (foto Thiago Morandi)

Quando estas linhas chegarem aos olhos do leitor, as vivências comemorativas da Semana Santa já terão passado. No entanto, como o auge da atuação das irmandades católicas acontece durante esta semana, cabe um comentário sobre a importância delas.

A base deste comentário está numa leitura recente do livro “As três Igrejas dos Homens Pretos de São Paulo de Piratininga”, de Fabrício Forganes Santos, publicado pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo. Fabrício é mestre em arquitetura e urbanismo e ministra cursos e palestras nesse museu sobre suas pesquisas e estudos, que são a presença negra no urbanismo brasileiro, sobretudo os lugares do catolicismo negro. Ele é membro da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França – SP.

Quando li a dedicatória, a citação no prefácio, as referências bibliográficas e os anos de pesquisa, confesso que o livro me cativou. Dedicatória: “Aos malungos devotos da Senhora do Rosário, de [santa] Efigênia e [santo] Elesbão e de São Benedito. Salve eles!”. Malungo, palavra muito usada nas línguas bantas com uma ampla semântica, conforme as pesquisas: companheiro, colega de infortúnios, correntes de ferro que prendiam os escravos, aquele que teria vindo no mesmo tumbeiro, vínculo afetivo pela mesma nacionalidade, nascido no mesmo ano que outra pessoa. E muitos outros significados. Basta consultar o “Novo Dicionário Banto do Brasil”, de Nei Lopes.

Até hoje chamo de malungo a quem tem a minha idade. Influência de meu avô materno Joaquim Sérgio de Mendonça (Padrim Quinca). Ele sabia várias palavras da língua dos negros que foram escravos de seu avô por conviver com eles na infância.

Citação de Luiz Gama no prefácio: “Em nós, até a cor é um delito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Luiz Gama (1830-1882) viveu na carne as agruras da escravidão, pois, embora nascido de pais alforriados, foi vendido como escravo pelo pai antes dos 10 anos! Mais tarde, sofre as consequências do preconceito racial, impedido que foi pelos alunos de se matricular na faculdade de direito do largo de São Francisco, hoje USP. Porém, não conseguiram impedir que se tornasse advogado por autodidatismo, que atuasse na concessão de liberdade a muitos escravos e fosse um dos maiores líderes da abolição da escravatura, a ponto de ser considerado seu patrono.

Algumas linhas sobre as inúmeras irmandades católicas. Acrescento também as Confrarias e as Ordens Terceiras, mas antes preciso explicar a igualdade e a diferença entre elas. As três eram formadas por leigos. Confraria é uma associação informal com o propósito de fazer caridade. Quando se constituía formalmente como pessoa jurídica, registrada e regida por estatutos, chamava-se Irmandade. As Ordens Terceiras são associações de leigos católicos vinculadas às tradicionais ordens religiosas medievais: Franciscanos, Carmelitas e Dominicanos. A devoção a seu santo padroeiro é seu fundamento e motivação.

O valor dessas instituições leigas para o catolicismo, historicamente, sempre foi enorme e modernamente ainda o é, acho eu. Posso afirmar, pois quando assumi e exerci por 6 anos o vicariato da Paróquia de São Benedito da Vila Sônia, em São Paulo, as três irmandades – São Benedito, Nossa Senhora de Fátima e Apostolado da Oração – colaboraram intensamente para os projetos de evangelização.

Historicamente eram meios de cristianização dos pagãos. Na época da colonização europeia, pagãos eram os negros na África e os índios na América. Na linguagem atual, os povos originários.

Forneciam mão-de-obra para as construções religiosas, igrejas, capelas, casas paroquiais e cemitérios. Cuidavam de Santas Casas de Misericórdia e outras obras de benemerência ou, até mesmo, fundavam-nas. Garantiam e garantem a frequência nos ritos litúrgicos. Promoviam e promovem festividades religiosas que movimentam as comunidades. Empenhavam-se e empenham-se na manutenção dos templos. Ajudavam e ajudam as entidades de inserção social.

Enfim, as irmandades catalisavam os anseios materiais e/ou espirituais dos variados grupos sociais.

É o que penso. E você?

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