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A racionalidade e a ignorância

18 de Maio de 2022, por João Magalhães

A filosofia escolástica distingue pessoa de indivíduo. Indivíduo é o ser que é em si mesmo indistinto, mas distinto do outro (Id quod est in se indistinctus, sed ab allis vero distinctus). Pessoa é um indivíduo quem tem a racionalidade como característica ontológica, ou seja, a racionalidade é sua característica específica (Individuum subsistens in natura rationali).

Infelizmente, a história humana oscila muito quanto à racionalidade. Teorias da conspiração, fakenews, atribuição religiosa sobrenatural e até demoníaca para fenômenos paranormais, a ideia de que a Terra é plana (Terraplanismo), resistência a vacinas, fanatismo e seus variados tipos etc. mostram que a racionalidade nos tempos atuais anda em baixa.

Quanto menos racionalidade, mais ignorância culpável. (Considerando ignorante culpável a pessoa que tem todas as condições de sair da ignorância e não sai.)

Steven Pinker, psicólogo canadense, catedrático da Universidade de Harvard, transformou em livro, agora publicado no Brasil, um curso realizado on-line, durante a pandemia: “Racionalidade – O que é – Por que parece estar em falta – Por que é Importante” (Rationality: What it is, Why it Seems Scarce, Why it Matters).  

“Nessas primeiras décadas do terceiro milênio, enfrentamos ameaças letais à nossa saúde, à nossa democracia e à habitabilidade de nosso planeta. Embora os problemas sejam intimidantes, existem soluções; e nossa espécie dispõe de capacidade intelectual necessária para encontrá-las. Contudo, entre nossos problemas atuais mais graves, está o de convencer as pessoas a aceitar as soluções quando de fato chegarmos a elas”, escreve o autor. E o tradutor dessas palavras e autor da reportagem sobre o livro, João Luiz Sampaio (O Estado de S. Paulo – 27/3/2022), acrescenta: “Não é uma premissa difícil de aceitar. Confrontada com a pandemia do coronavírus, a humanidade foi capaz de, em menos de um ano, desenvolver vacinas capazes de proteger a população mundial. E ainda assim, lembra Pinker, em diversas partes do mundo a recusa à vacinação é alarmante”.

Acompanhando pela mídia instituições religiosas incorporando-se a partidos políticos ou até fundando-os – a poderosa bancada evangélica do Congresso Nacional que o diga –, vendo ministros religiosos ameaçando fiéis com ida para o inferno se tomarem a vacina e outros pedindo propina (tomara que sejam fakenews!) minha referência é o livro fundamental do filósofo seminal Immanuel Kant (1724 – 1804), considerado um dos maiores filósofos do mundo: “A Religião nos limites da simples razão”. Obra de difícil leitura, mas de conteúdo extraordinário, acho eu. E não estou sozinho, como o mostra a apresentação da edição que eu tenho: “Qual o papel da religião no embate entre o bem e o mal sob a perspectiva filosófica? ‘A Religião nos Limites da Simples Razão’ é uma tentativa de Kant de discutir a fé e o sistema religioso a partir do raciocínio lógico. O autor descarta conceitos ligados à iluminação divina e adota como caminho o esclarecimento interior, sempre pautado pelo pensamento puramente racional. Trata-se de obra fundamental para a compreensão de vários questionamentos relativos à religiosidade.”

Conforme consta da vida de Kant, a obra publicada em 1793 e reeditada em 1794, conforme mostram os dois prefácios, foi censurada. Frederico Guilherme II, sucessor de Frederico II da Prússia, que foi grande admirador de Kant e obrigou-o a não mais escrever sobre religião. Censura que só caiu sob Frederico Guilherme III, quando Kant voltou a tratar das relações entre religião natural e religião revelada.

Por sinal, a reportagem do “Estadão” também cita Kant: “Como a humanidade que viveu o Iluminismo e seu ‘ousar saber’, nas palavras de Immanuel Kant, chegou a esse ponto?”

É o que penso. E você?

 

*Loas para os vereadores da Câmara Municipal de Resende Costa, que aprovaram a lei que cria a Semana de Conscientização sobre Inclusão Social (JL nº 227 março 2022-p 3) nesses momentos em que os Direitos Humanos estão totalmente vilipendiados pelas ditaduras governantes. E também para São Paulo, que criou uma orquestra sinfônica exclusivamente para músicos com deficiência.

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