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“Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) deixa o humanismo como herança”

29 de Marco de 2023, por João Magalhães

Entre aspas porque faz parte do discurso de Sobral Pinto, que emocionou a todos no enterro de seu grande amigo. Na série sobre os grandes humanistas brasileiros, já escrevi sobre ele, Sobral Pinto; também sobre Graciliano Ramos, Dom Paulo Evaristo Arns. Agora, Alceu Amoroso Lima. Era para ser na edição de agosto deste ano, lembrando os 40 anos de sua “partida”, mas como o futuro ninguém sabe, resolvi antecipar. Nunca esqueci da frase de Dom Inácio Accyoly, abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro: “Alceu, ao céu”.

Tristão de Athayde foi e será uma das intensas admirações minhas. Ainda fazendo o colegial (atualmente 2º grau) no seminário, lendo sobre Jackson de Figueiredo, soube sobre sua conversão ao catolicismo.  Depois caiu em minhas mãos seu livro (comigo até hoje): “Quadro Sintético da Literatura Brasileira”.  Mais tarde, já formado em Letras e lecionando literatura brasileira até me aposentar, ele foi um dos meus autores guia.

O último contato pessoal com ele foi no auditório do jornal Folha de São Paulo, onde ele era articulista. Ele ia dar uma palestra. Corri para assistir. Não havia lugar nem para uma mosca! O porteiro só me deixou entrar com a condição de ficar sentando no chão do palco. Foi um privilégio. Assisti à palestra a dois metros à frente dele.

Para mim, Alceu Amoroso Lima foi dos maiores vultos que o Brasil já teve. Escrever sobre ele é muito difícil e Leandro Garcia Rodrigues, em seu recente livro “Alceu Amoroso Lima - cultura, religião e vida literária” (Edusp 2012 (*)), confirma isso: “Falar de Alceu é realmente complicado e desafiador. Ele teve várias faces: crítico literário, crítico cultural, poeta bissexto, professor, ensaísta, advogado, filósofo, teólogo e outras mais – para ficar apenas no campo profissional, há ainda outras da sua dimensão pessoal”.

Prefiro, por conseguinte, mostrar ao leitor a comoção nacional que foi sua morte, num domingo, 14 de agosto de 1983, através dos jornais que publicavam seus textos. Consegui todos: O Estado de S. Paulo (já era assinante) – Folha de S. Paulo – O Globo – Jornal do Brasil. Tenho-os até hoje.

As manchetes, as narrativas, os artigos, as presenças no velório e na missa de corpo presente, o cortejo até o cemitério São João Batista acompanhado pelos batedores da Polícia Militar, os discursos à beira do túmulo, os depoimentos, os cânticos gregorianos dos monges etc.dão ideia de sua importância para o Brasil.

Marcaram presença no velório, ou missa, ou sepultamento dezenas de religiosos: dois cardeais (entre eles Dom Eugenio Sales), cinco bispos (entre eles Dom Luciano Mendes de Almeida, na época secretário da CNBB), como o mostra a missa de corpo presente celebrada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e concelebrada por cinco bispos e 26 sacerdotes, com pregação do abade Dom Marcos Barbosa. Além dos monges beneditinos.

Dezenas de políticos das mais variadas tendências, como os governadores Leonel Brizola e Franco Motoro, Francelino Pereira, Magalhães Pinto, Paulo Brossard, Darcy Ribeiro, o ex-secretário geral do Partido Comunista, Luís Carlos Prestes, e até o general Lira Tavares, ex-integrante da junta militar que governou o país, em 1969.

Dezenas de escritores e presidentes de academias, historiadores, reitores de faculdade: Austregésilo de Athaíde, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Abgar Renault, Origines Lessa, Viana Mogg, Antônio Houaiss, Antônio Carlos Vilaça, Cândido Mendes de Almeida, José Honório Rodrigues, Vivaldi Moreira, presidente da Academia Mineira de Letras.

Muito artigos nos jornais. Entre eles destaco o de Frei Betto, na Folha, o deArtur da Távola (nome literário do saudoso Paulo Alberto, do programa na TV Quem tem medo da música clássica?”), no Globo e o de Drummond no Jornal do Brasil.

Muitos depoimentos: Aureliano Chaves, presidente da República em exercício; Tancredo Neves, governador de Minas; Hélio Silva, historiador; Luís Viana Filho, senador; André Franco Montoro, governador de São Paulo; Sobral Pinto, advogado; José Honório Rodrigues, historiador.

Fecho com o depoimento do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que realça minha grande admiração: “Após o golpe de 1964, poucas vozes se faziam ouvir no Brasil. Mas o próprio Castello Branco se declarou discípulo de Alceu e por isso não calaram também Alceu. E desde então ele sempre bateu na mesma tecla da democracia, liberdade e participação do povo. Devemos a Alceu a esperança de muita gente, e muitos pensamentos autoritários mudaram após conhecê-lo”.

É o que penso. E você?

 

(*) Agradeço a Elaine Martins (Laninha) por colocar à minha disposição o livro do Leandro sobre Alceu.  

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