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APAC: marcas de uma visita

19 de Setembro de 2018, por João Magalhães

Momento de partilha e encontro com os recuperandos

Cansei de ver, em letras grandes, APAC, nas vindas de São Paulo para Resende Costa, via Lavras. O que seria? Em conversa com o Dr. Luiz Antônio Pinto sobre sua atuação com estagiários de medicina, tive a explicação: APAC –Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Entidade com profundo senso humanitário. Mediante os detalhes da atuação dela junto aos presos, senti necessidade de abordar o assunto nesta coluna que tem, como um dos seus fulcros, o Humanismo. Implicaria uma visita. André Eustáquio, nosso editor-chefe, ampliou: Quem sabe uma reportagem especial? Fizemos a visita. E aconteceu.

A visita foi-me um sacramento que imprime caráter: marcas indeléveis no espírito.

Marca um: uma sensação intensa, bem resumida por dom Serafim Fernandes de Araújo, cardeal arcebispo emérito de Belo Horizonte: “Na APAC não é ter esperança, é ser esperança”, ou seja, o que se espera está-se realizando. Este sentimento encaminhou-me, também, para Dom Paulo Evaristo Arns, de cuja Pastoral fiz parte por muito tempo: “Ex spe in spem” (De esperança em esperança).

Marca dois: O Movimento Jesus. Chamo assim porque Jesus não institucionalizou nada. Sua ação consistiu em reformar e/ou inovar no estabelecido: “Foi dito aos antigos, eu, porém, vos digo...” De repente constato numa instituição um trabalho focado neste Movimento.

Da conversa com Antônio Carlos de Jesus Fuzatto, presidente da APAC de São João del-Rei e vice-presidente da FBAC (Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados), vieram as informações da origem da entidade. Surgiu de movimentos voluntários de católicos e evangélicos. Ou seja, grupos de pastoral penitenciária. Movimento iniciado no presídio Humaitá em São José dos Campos, em 1972, sob liderança dos advogados Mário Ottoboni e Franz de Castro Holzvarth, pais-fundadores da APAC.

O propósito: desenvolver um projeto voltado à recuperação do preso, suprindo uma deficiência do Estado. Ganhou personalidade jurídica em 1974 e passou a atuar como órgão parceiro da Justiça na execução da pena.

O melhor da conversa – agora fortificada pelo nosso cicerone na visita, Wellington Paixão, ainda cumprindo pena, mas já trabalhando com o presidente Fuzatto e com o Judiciário no apostolado apaqueano – foi o testemunho vivencial dos 12 Elementos Fundamentais do Método APAC.

  1. Participação da Comunidade: Significa usar de meios adequados para impedir uma ruptura da comunidade com a vida do preso. Desde o primeiro momento, acomunidade, ou seja, pessoas de seu meio (familiares, companheiros, amigos, colegas) devem estar presentes.

“Se mobilizarmos a sociedade por meio de audiências públicas, de convites às lideranças civis, de políticas religiosas e de grupos distintos da sociedade, utilizando-se dos meios de comunicação social, dos testemunhos de recuperandos, das apresentações de teatro, coral, etc. para conhecer in loco uma unidade da APAC, dar-se á, com o tempo, o rompimento das barreiras do preconceito, que, geralmente, estão arraigadas em nossa cultura. Ou seja, aquela ideia de que o preso tem que sofrer, tem que morrer precisa ser superada.”

  1. O recuperando ajudando o recuperando: “Despertar nos recuperandos os sentimentos de responsabilidade, de ajuda mútua, de solidariedade e de fraternidade e da importância de viver em comunidade.

Possibilita que o recuperando seja protagonista de sua própria recuperação. Dentro dessa visão, destaca-se o Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), constituído tão somente por recuperandos, cabendo-lhes as tarefas de limpeza, organização, segurança e disciplina.”

  1. Trabalho: Seu valor dentro e fora da unidade, dependendo do regime do internado. No regime fechado, o objetivo é a recuperação dos valores: despertar a autoestima, as potencialidades, o senso de estética e a criatividade. A ênfase vai para o trabalho artesanal, o mais diversificado possível.

No regime semiaberto, objetiva-se a profissionalização. É preciso atentar-se para não transformar este trabalho numa empresa.

  1. Espiritualidade: Ferramenta de recuperação de valores morais. O método vê o homem como um ser biopsicossocial e espiritual.

“Por esta razão, deverão ser organizadas equipes de evangelização cristã para que, por meio de um trabalho ecumênico, possa ajudar o recuperando a dar-se conta de que o ser humano também é espirito. Contudo, não se pode afirmar que somente a espiritualidade resolve o problema”, mas contribui muito.

  1. Assistência jurídica: “Segundo dados estatísticos, 95% da população carcerária não reúne condições financeiras para contratar um advogado, por isso é preciso que a APAC ofereça uma assistência jurídica gratuita, especificamente na fase de execução da pena, atentando-se, para que essa assistência jurídica se restrinja apenas aos condenados que manifestem adesão oferecida pela APAC e que possuam mérito.”
  1. Assistência à saúde: Referindo-se às condições insalubres de cumprimento de pena, diz Mário Ottoboni: “O condenado, geralmente quando não entra doente na prisão, fatalmente irá sair doente dela.” “É importante que esse atendimento seja, sempre que possível, realizado por voluntários, permitindo que o recuperando possa entender, com mais facilidade, que alguém se preocupa com sua sorte eque ele não está abandonado.”
  1. A família: Considerando as dificuldades e sofrimento das famílias para firmar presença junto aos detentos; considerando que a família por total falta de estrutura contribui, juntamente com outros fatores, para o surgimento do crime e da violência, inútil será o esforço da equipe se, ao preparar o recuperando para o retorno à sociedade, não trabalhar concomitantemente a família.

“Assim como os familiares dos recuperandos necessitam receber a atenção, a instituição deve ficar atenta em relação às vítimase/ou familiares das vítimas, oferecendo programas e assistências que objetivem minimizar o sofrimento e prejuízos.”

  1. O voluntário e o curso para sua formação: “Nada, absolutamente nada, substitui o trabalho dos voluntários que, por meio de gestos concretos de caridade, revelam aos recuperandos o amor gratuito, constante e incondicional.”

Importante observar que toda equipe, constituída de voluntários e de funcionários contratados para trabalhar tão somente no setor administrativo, precisa ser devidamente treinada, uma vez que um trabalho dessa natureza, de difícil execução, não pode ser pautado pelo amadorismo e improvisação.

No conjunto dos voluntários, destacam-se os ‘casais padrinhos’, que, ao adotarem os recuperandos como afilhados, contribuem para que sejam refeitas, em nível psicológico, as imagens desfocadas e negativas queos recuperandos possam ter em relação à figura do pai, da mãe ou de ambos, ou ainda das pessoas que os substituíram em seu papel de amor.”

  1. Centro de Reintegração Social: “A Comunidade poderá construir prisões denominadas Centro de Reintegração Social– CRS – de pequeno porte, compreendendo os regimes previstos na Lei, devidamente separados um do outro, o que não modifica a obrigação constitucional do Estado de construir, equipar e manter as prisões.”
  1. Mérito: Todas as conquistas, elogios, cursos realizados, saídas autorizadas etc., bem como as faltas e as sanções disciplinares aplicadas deverão constar do prontuário do recuperando para oportunamenteser anexado a pedidos de benefícios jurídicos. Insere-se nesse contexto a importância de se constituir a CTC – Comissão Técnica de Classificação.
  1. Jornada de Libertação com Cristo: “A jornada apresenta-se nesse contexto como sendo um dos pontos altos da metodologia. Momento forte de reflexão e encontro consigo mesmo, em que, ao longo de quatro dias, pautados por palestras de cunho espiritual – misto de valorização humana e testemunhos –, expõe o recuperando à terapia da realidade, levando-o, ao final, a um encontro pessoal consigo mesmo e com o ser superior.”

APAC: “Amando ao Próximo, Amarás a Cristo.”

  1. Valorização humana: É a base do método APAC.

(Citações extraídas da bibliografia gentilmente oferecida. Procurou-se transmitir o mais perto possível o fraseado dos autores)

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