Para quem está caminhando, é bom, de vez em quando, olhar para trás e avaliar o percorrido.
Faz 20 anos (1996) que a operação Mãos Limpas (Mani Pulite), na Itália, encheu de esperança os cidadãos italianos desejosos de uma moralização política por um combate efetivo e punição de corruptos e corruptores.
Em dois anos, seis ex-ministros, 500 representantes políticos, prefeitos e muitos empresários foram conduzidos aos tribunais e muitos à cadeia. Em 1996, pesquisas mostravam que 91,8% dos votantes apontavam a corrupção como um problema, menor apenas do que o desemprego.
Acho que situação semelhante vive o cidadão brasileiro frente às eleições que vêm aí.
A “Mãos Limpas” deu resultado? Pouco, muito pouco, conforme estudo analítico feito pelo italiano Alberto Vanucci, sintetizado por Roberto Romano – professor de Ética da UNICAMP/SP - em excelente artigo “Canalhocracia” (OESP 19/6/16 A2) que brevemente apresento.
A corrupção virou o jogo. “Os corruptos abriram guerra contra juízes e promotores e os acusaram de atuar politicamente sem votos”. As novas leis mais rígidas só aumentaram o valor das propinas. “Resultaram da luta empreendida a impunidade de políticos como Berlusconi e a leniência em relação a empresários corruptos”.
“Os eleitores da Itália não foram além do apoio emotivo e passageiro aos investigadores e juízes”. Tanto que, “após 2008 só 0,2% considera a corrupção como gravíssimo obstáculo para o Estado e a sociedade”.
“No âmbito empresarial, a predominância de famílias donas de empreendimentos possibilitara novos elos amigáveis e corruptos com gestores públicos, o que lhes garante vitórias em obra públicas etc”.
“O número de condenações despenca: 1.714 em 1996 e 239 em 2006”. “O juiz Gherardo Colombo afirma que “da ótica judicial”, a Mani Pulite foi inútil, ou pior, danosa. O fracasso quase completo para assegurar condenações (de 3.200 acusados, 2.200 foram soltos...). Outro juiz, Piercamillo Davigo, mostra que os predadores aumentaram, com a pressão da Mãos Limpas, sua forma e habilidade criminosa. Ela lhes serviu para aperfeiçoar a bandidagem própria e alheia”.
A atual situação brasileira caminha para uma “italianização”? A “Lava-jato” tão esperançosa para a nação terá o mesmo fim da Mani Pulite? Corre risco. O próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, reconhece, ao referir-se a desentendimentos no poder judiciário: “O que está acontecendo neste exato momento [reação contra a Operação Lava-Jato] não é novidade no mundo. Isso aconteceu exatamente, em outra proporção na Itália” (OESP 24/8/16ª5).
Fatos recentes não apontam para otimismo. Corrupção, politicalha, aproveitadores, rapineiros etc. se “encorjam” muito bem e têm forças muito competentes. Manejam estratégias eficientes como a infiltração nas comissões dos órgãos legislativos. A intenção é anular ou abrandar leis ou determinações, por exemplo, a proveitosa lei da delação premiada (lei 12.850 de 2/8/13) e agora a Comissão Especial da Câmara que analisa as medidas de combate à corrupção: propostas muito boas (acho eu) dos Procuradores Públicos. Claro, visa-se ao afrouxamento das medidas. O relator (dep. Onix Lorenzoni, DEM/RS) já alertou: “Todos nós sabemos como é composto atualmente o Congresso Nacional. Não é à toa que tivemos um presidente da Câmara cassado no Conselho de Ética. O receio que eu tenho é de que a gente não consiga reunir uma maioria parlamentar para impedir a desfiguração na comissão e no plenário” (OESP 23/8/16).
Outra estratégia é o esquecimento, ou seja, adiar, prorrogar, pedir vistas etc. Quanto mais o tempo passa, mais perdem vigor as pressões sociais, a publicidade... e as imunidades, as suspensões, os recursos vão durando...durando!
No judiciário, ultimamente, vale a tática do Império Romano: Divide et impera. Crie desavenças, consiga divisões internas, provoque competição, insufle ciúmes, dê mais para um grupo do que para outro, nas forças inimigas e vencerá.
Para quem pode praticá-la (executivos e legisladores), a troca, quando não chantagem, também funciona: despache a nosso favor que nós votaremos os aumentos que pretendem...
E com a técnica de brechas, furos e falhas nas leis – e contam para isso com especialistas de primeiro naipe – conseguiu por estes dias uma grande vitória. A tão sonhada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 4/6/10) praticamente esfarinhou-se quando o STF julgou que a competência para declarar inelegibilidade de candidatos é das Câmaras e não dos Tribunais que julgam as contas.
Tá certo, quem analisa bem a lei da Ficha Limpa, concorda: tem seus defeitos, mas dizer que “parece que foi feita por bêbados” (ministro Gilmar Mendes), aí, já é demais!...É menosprezar uma lei de iniciativa popular, com um milhão e seiscentas mil assinaturas de cidadãos brasileiros que praticamente forçou o Congresso a votá-la. Ainda bem que houve retruque (ministro Barroso).
Com a “qualidade” (!) das câmaras que assolam politicamente o país, quantos políticos ficarão inelegíveis?! Manchete recente (19//8/216) da imprensa: “Ficha Limpa pode barrar 4,8mil candidatos no País”. Eu não acredito. E você?