Depois do assassinato, o estupro é a meu ver o crime mais grave. No assassinato, elimina-se o ser da pessoa, a existência; no estupro, fere-se o corpo e agride-se ferinamente a pessoa reduzindo-a a um objeto excitador de instintos. Como expressou a jovem vítima do pavoroso estupro coletivo recente no Rio de Janeiro: mais que no útero, dói na alma.
E agora, com os estupros coletivos? E essa barbárie, esse show macabro, essa excrescência humana, objeto deste nosso comentário, que é transformar o estupro em espetáculo?
Há descrições de cenas horripilantes do grupo e dos membros da equipe estupradora. Os risos, as gozações, a torcida, os aplausos pelo desempenho, a competição de quem atua melhor!! Junto, um ou outro voyeur (pessoa que obtém prazer ao observar atos sexuais ou práticas íntimas de outras pessoas). E agora também alguém com celular filmando ou fotografando para sua coleção e para publicar nas redes sociais, em benefícios dos milhares de voyeurs que curtirão sua postagem!
E narração, como essa, causa espanto: “O Estado do Piauí registrou o terceiro caso de estupro coletivo em menos de um mês. Desta vez, imagens de uma jovem de 21 anos violentada enquanto estava desacordada circularam nas redes sociais. Na gravação é possível ouvir um homem de forma irônica: “Amanhã, todo mundo preso em Sigefredo Pacheco (cidade onde o fato aconteceu).
O primeiro caso “aconteceu em Pajeú, quando uma jovem de 14 anos foi encontrada nua dentro de uma banheiro do ginásio do município, rodeada por quatro rapazes... Ela estava desacordada e tinha ingerido bebida alcoólica”. O segundo, no município de Bom Jesus: “Uma jovem de 17 anos foi estuprada por quatro adolescentes e um jovem de 18 anos. A vítima foi encontrada amarrada e amordaçada com as roupas íntimas”.
E, ano passado, em Castelo do Piauí, outra barbaridade: “um adulto e quatro menores estupraram quatro adolescentes e as jogaram de um penhasco”.
O corpo social, à similitude do biológico, tem suas doenças. E esta de espetacularizar o estupro é gravíssima.
Há cura? No atual estágio da evolução humana, acredito que não. Faz parte de uma parcela significativa dos humanos, a satisfação de ver sangue, corpos dilacerados, rituais satânicos, torturas, execuções, estupros, desastres. Uma arraigada tanatofilia, um gosto macabro.
Talvez, pode-se diminuir o número de casos com algumas medidas. A penalização já existente. Punição rigorosa para criminosos e cúmplices
Mudar a “cultura do estupro”: processo social de que o homem é superior à mulher. Que ela tem que servi-lo sexualmente. Que o macho padece de uma incontrolabilidade sexual. Que a mulher também é responsável pelo ataque, por se expor como objeto de desejo, pela maneira de se vestir, por gestos e poses de sedução etc.
Como escreve a psicanalista Maria Lúcia Homem em Genealogia de um estupro: “um discurso recorrente na nossa cultura, repetida para os meninos, criou uma sociedade dividida e extremamente machista”.
“Como é lindo. Você é o mais lindo, o mais forte, o mais esperto, Vai ser sucesso com as garotas. Boneca é coisa de menina. Apanhou? Vai lá e dá porrada. Deixa de ser fraco. De ser covarde. Tá com medo? Coisa de bicha. Cala essa boca e engole esse choro. Já falei. Vai apanhar até aprender a ser macho... O menino cresce e tem que haver mais uma vez com a sexualização de seu próprio corpo e seu psiquismo. Fica adolescente..
Aê, garoto. Esse é o cara. Vai ser o terror das minas. Ele é fogo. Garanhão. Cata todas. Quantas você pegou? Sheik. Só com princesas. Mulher é coisa para se ter e acumular, bens de consumo e circulação há séculos. O candidato a homem é ensinado a ter mulheres, numa lógica quantitativa simples: quanto mais, melhor. Série consumista em que a mercadoria – mulher – é objeto. Ela não pode dizer não (a essa lógica).
Ela está me seduzindo. Com esse shortinho. Ai, mulata assanhada, que passa com graça, fazendo pirraça, fingindo inocente, tirando o sossego da gente. Ai, meu Deus, que bom seria se voltasse a escravidão: eu pegava a escurinha. A novinha tá no grau. A bebezinha já fez corpo. Ih, tá de mimimi? Não quer dar? Qual é, mano, tu não é macho? Vai pra cima”.
E mais remédios: a união das vítimas, formando grupos de protestos, de pressão social, de cobrança, de denúncias; campanhas, como esta do “Estadão”, alertando usuários, que buscam canções que tal canção faz apologia à violência contra mulher. Ao todo, a campanha detectou 350(!) músicas diferentes com conteúdos ligados à violência física, sexual e psicológica contra a mulher; propiciar meios de defesa para mulher contra ataques. Corre, por exemplo, no legislativo, um projeto, permitindo à mulher o uso do spray de pimenta.
É o que penso. E você?