Nosso jornal, este ano com 20 anos de idade, continua com um dos seus propósitos: a memória histórica de nossa cidade. Para uma época em que não havia telefone, internet com suas redes, celulares e, em vários locais, nem luz elétrica... e só havendo raras máquinas fotográficas, a memória histórica depende praticamente das recordações e vivência dos mais idosos.
Minhas reminiscências sobre a Festa do Rosário em Resende Costa são dessa época. São poucas, pois vivi no Tijuco, onde nasci, só até os 12 anos. Depois fui para o Seminário no Sul do Brasil, estado de Santa Catarina. Mais tarde, quando meu irmão foi presidente da Irmandade do Rosário, participei de algumas festas.
Depois da Semana Santa, era a festa mais frequentada pelos moradores da roça. Lembro-me dos reis e rainhas, do jogo das argolas e, sobretudo, da apresentação dos ternos de dançantes, dos congados que vinham da rua 7 de Setembro etc. A missa era sempre dentro da igreja do Rosário. Nunca na praça. Não existia o mar de barracas como hoje, em que festa está muito diferente.
Suponho que uma forma de valorizar a Festa do Rosário é falar sobre a importância da Irmandade do Rosário.
O culto a Nossa Senhora do Rosário é antiquíssimo. Começa a ser propagado no século XIII, introduzido por São Domingos de Gusmão, fundador das Ordem dos Pregadores (Dominicanos) e, por consequência, muito divulgado pelos frades dessa Ordem.
Em 7 de outubro de 1571, houve, no golfo de Lepanto, a batalha naval que impediu a invasão da Europa católica pelas forças do muçulmano império turco-otomano. Diz a biografia do papa São Pio V, que era dominicano, que ele rezava o rosário durante a batalha, estando em Roma. Como agradecimento à Virgem Maria pela vitória sobre os turcos, instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário, marcando-a para todo o dia 7 de outubro.
As irmandades ou confrarias criadas pela devoção a Nossa Senhora do Rosário surgiram em Lisboa, no século XV, e rapidamente se espalharam pelas colônias de Portugal. No Brasil, chegou no século XVI, com a fundação da Irmandade dos Homens Pretos de Olinda, e foi utilizada pelos jesuítas e franciscanos como um forte meio de evangelização e também controle da população, sobretudo a mais carente.
As Irmandades do Rosário vão se firmando e caracterizando-se pela abertura. No seu início, quando eram compostas de brancos e negros, sendo os brancos a maioria, cabiam a eles os cargos administrativos e a liderança. Com o transcorrer do tempo, os negros, escravos ou livres, africanos ou brasileiros, passaram a ser maioria e tiveram uma boa autonomia.
As Irmandades do Rosário dos Homens Pretos tinham especial importância. Além das práticas devocionais e com um programa de festividades que fomentava a interação entre as pessoas, a socialização, reintegrando, inclusive, vínculos familiares perdidos, havia, também, apoio e auxílio: assistência prestada a escravos e libertos em situação de dificuldades e doenças, garantia de enterros em locais sagrados, missa e orações para as almas dos falecidos. É bom lembrar: os escravos eram enterrados em covas rasas e coletivas, sem os ritos fúnebres. Daí, o crescimento dessas irmandades. Passaram a ter igrejas próprias em muitas cidades: as igrejas do Rosário.
Concluo com a opinião de Fabrício Forganes Santos, mestre em Arquitetura e Urbanismo e professor no Museu de Arte Sacra de São Paulo, expressa em seu livro recém-lido:“As três igrejas dos homens pretos de São Paulo de Piratininga”: “Uma das hipóteses sugeridas por alguns autores estudados era a de que os negros buscavam as irmandades católicas para serem reconhecidos enquanto cidadãos, gozando de todos os privilégios civis, dentre eles o da livre circulação pelo espaço urbano ou da aquisição de imóveis.”
E continua: “O deslocamento forçado, o banimento desses grupos de acesso às melhores oportunidades – estratégias de atualização do colonialismo – ampliaram ainda mais a desigualdade social entre pretos e brancos, acentuando e estruturando o racismo na sociedade brasileira que deu origem ao contexto observado na contemporaneidade, em que negros são abordados com truculência, agredidos ou mortos por transitar em ruas de comércio de luxo, por fazer compras em supermercados ou em shoppings, e até por circular em parques com bicicletas, constantemente acusados de supostos delitos que na maioria das vezes não são comprovados. Quanto ao costume de olhar uma pessoa negra e antever sua incapacidade de estar naquele ambiente ou realizando aquela atividade, imputando-lhe uma conduta apenas pela cor da pele, no ano de 2021, não nos resta mais dúvidas sobre a violação: ela se chama Crime de Racismo.”
Faço minhas essas palavras. É o que penso. E você?