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Janeiro roxo e “A Praga”

13 de Marco de 2018, por João Magalhães

A campanha “Janeiro Roxo” alerta sobre a Hanseníase, nome imposto pela lei 9.010 de 9/3/1995 para a doença da lepra.  Pela lei, o termo “Lepra” e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros. Portanto (art.2º): Hanseníase para Lepra: Doente de Hanseníase para Leproso etc.

Segundo Claudio Salgado, presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, a campanha se justifica, pois, a doença ainda afeta mais de 30 mil brasileiros por ano, no entanto, ela é curável. Atribui esta ocorrência à dificuldade de acesso à saúde por grande parte da população e ao preconceito em torno da doença que ainda não desapareceu.

Por que “A Praga” do título? Porque é o nome do livro-reportagem sobre o problema da lepra, no passado e no agora, de Manuela Castro, partindo de um núcleo que foi a Colônia Santa Isabel, em Betim/MG.

Nas palavras da jornalista, “A Santa Isabel era a maior colônia do Brasil. Inaugurada em 1931, atendia à política sanitária do célebre médico Oswaldo Cruz. Na época, representou um grande exemplo da ação do Estado para erradicação das doenças contagiosas. Foi erguida entre o rio Paraopeba e a Mata Atlântica, modo de dificultar a fuga dos hansenianos que se recusavam a viver no isolamento. Até 1985 estava restrita aos doentes, agentes de saúde e religiosos”.

Daniela Arbex, autora do extraordinário e premiado “Holocausto Brasileiro” sobre o famigerado Manicômio de Barbacena/MG, assim se pronuncia: “Quando o silêncio e o preconceito se unem, o resultado é a chaga do esquecimento. Neste livro, Manuela Castro dá visibilidade ao drama de brasileiros que foram condenados à exclusão por causa da hanseníase, doença que atravessou a vida de milhares de pessoas, criando um abismo entre elas e suas famílias. Ao resgatar o drama dos leprosários no Brasil, a jornalista desvenda uma realidade surpreendente, na qual o mal não é a doença, mas a forma de a sociedade lidar com ela”.

Desde cedo, o drama dos leprosos me sensibilizou muito. Estão ainda em minha memória, grupos de leprosos que passavam por nossa cidade, nômades mendicantes. Abordavam as pessoas, afastados delas, com um embornal preso numa vara de bambu, ou uma caneca, pedindo algum alimento, alguma esmola. Lembro deles acampados no areal perto do mata-burro do córrego do Tijuco.

Dona Laura, mãe de nosso colega de JL, Evaldo Balbino, confirma estas lembranças. Em elucidativa conversa que tivemos, lembra que acolhia leprosos na sua casa, lá no Povoado do Ribeirão. Acampavam sob uma moita de bambu. Em certa ocasião, por descuido chegou a relar numa ferida de um deles, que ficou desesperado por medo de contagiá-la. Dois deles (Zé Rosa e Ladim) vinham da região de Betim e passavam lá todo mês.

Mais tarde, já professo na Ordem de São Camilo (padres camilianos) que tinha o 4º voto solene de serviço corporal e espiritual aos doentes, tínhamos que dominar o medo de qualquer contágio. Convivi com eles por muitas vezes.

Meu retiro espiritual de preparação para o subdiaconato, por exemplo, foi feito no Leprosário Santo Ângelo (em Mogi das Cruzes/SP). Era uma cidade de hansenianos. Os solteiros em alojamentos, os casados em moradias. Tomava café com eles, às vezes almoçava. Jogava futebol em disputa de campeonatos internos. Tristes eram os momentos de bate papo no “Ferro Velho”: nome irônico e gozador que os próprios leprosos davam ao pavilhão dos seriamente deformados pela doença.

Razoavelmente perto do Seminário Maior (bairro Jaçanã/SP) havia o sanatório Padre Bento (Gopouva/Guarulhos/SP). Íamos lá de bicicleta jogar com os confinados.

A ignorância é causa de muitos males ou impede a solução deles. Um exemplo é o extermínio bárbaro de macacos por parte de pessoas que creem que eles transmitem a Febre Amarela. Na realidade não contaminam ninguém e são importantes para que se localizem os locais de surto.

O preconceito contra a lepra ainda tem raízes na sociedade brasileira. Uma visão dos comportamentos quanto a ela no passado poderá ajudar. Passado recente, aliás, pois, mesmo com a cura surgida nos anos de 1940, o isolamento compulsório em leprosários continuou no Brasil até1986!

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