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Massacres. Como interpretar?

16 de Abril de 2019, por João Magalhães

Uma das características humanas é a ânsia por explicações para os mistérios que nos rodeiam. Raiz, aliás, de muitas religiões e impulso para as pesquisas científicas.   

Acompanhamos recentemente o massacre de alunos e funcionários da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano/SP. Dois ex-alunos, um – 17 anos – com arma de fogo, outro – 25anos – com arco e flecha, besta, machadinha – invadem a escola. Em 15 minutos, matam a esmo duas funcionárias e cinco estudantes e deixam 11 feridos. E o massacre da Nova Zelândia, com um atirador matando 49 pessoas, invadindo duas mesquitas e transmitindo o ataque ao vivo no Facebook, com uma câmera no capacete.

Frente a tais acontecimentos subanimalescos, assassinatos frios contra indefesos, aleatórios, muitos terminando com suicídio, buscam-se explicações. Cérebros criminosos natos, conforme a famosa teoria do criminologista italiano Cesare Lombroso (1835-1909)?  Psicopatas de estrutura gélida, cruenta, sádica? Pessoas incrustradas de ódio, fanatizadas e orientadas por grupos do mesmo jaez?

Uma contribuição informativa: há estudos científicos recentes analisando o teor de dezenas desses atiradores pelo mundo que portam informações inesperadas, contrariando, inclusive, explicações de senso comum. Revelam que, na maioria dos casos, não havia indícios de psicopatia. Experiências de vida, traumas, abusos de vários tipos e outros fatores sociais desenvolveriam tais comportamentos, mesmo em pessoas biologicamente sadias que passam por tais fatores.

Segundo o psicólogo americano Peter Langman, um dos maiores estudiosos do assunto no mundo, na pesquisa que fez em 150 ataques (site schoolshooters.info), os perfis psicológicos dos atiradores são diferentes. Dividiu-os em três grupos: os traumatizados, os de transtornos psicóticos, os psicopatas. As motivações também são diversas. Contudo, há semelhanças: maioria homens (94%), brancos (63%), armas vêm da própria casa e são de posse dos pais, a maioria suicidou-se e 38%  são menores.

Ainda conforme o estudioso americano: “Entre os atiradores traumatizados, os pais são os principais problemas na vida dos filhos. Para os outros perfis, não é que os pais estejam falhando. Muitas vezes, eles (atiradores) escondem deliberadamente os seus pensamentos e sentimentos dos pais. Mesmo quando os atiradores estiveram em psicoterapia, ocultaram suas intenções violentas.” Prossegue Peter Langman: “Há sinais, no entanto, demonstrados previamente pelos atiradores que podem servir de alerta para pais e docentes, como obsessão por armas ou mídias violentas, postagens sobre ataques e comportamentos agressivos ou depressivos, entre outros.”

Fala o doutor em Psicologia e professor do Instituto Federal de Goiás, Timoteo Madalena Viera, em artigo sobre o assunto: “O que sabemos é que mesmo pessoas biologicamente saudáveis podem desenvolver problemas assim quando submetidas a condições adoecedoras, ou quando inseridas numa cultura doente, pelo fato de que nossas crenças, nosso modo de interpretar e compreender a realidade não são algo imutável, fixo, rígido. No senso comum, a ideia de um monstro, um psicopata tresloucado, é muito usada para dar a resposta que procuramos. Isso simplifica as coisas. Explicações assim falsificam a realidade e nos ajudam a evitar a percepção de que podemos ter responsabilidade na expansão desse fenômeno.”

Não digo que se resolva tudo, pois tais acontecimentos continuarão a ter aspectos imprevisíveis, mas uma tomada de posição da sociedade que transita por práticas socioeducativas, legislação sobre mídia internética, política de desarmamento etc. melhora bastante. A sociedade não pode jogar para debaixo do tapete tais acontecimentos. Eles devem gerar reflexões fundamentadas, estudo de práticas pedagógicas, um olhar cuidadoso para a cultura da paz e sua implementação em todos os níveis sociais: família, religião, política, integração de refugiados e demais problemas.

Distribuir a verdade é a melhor arma. É o que penso. E você?

 

Fonte: Fabiana Cambricoli in O Estado de S. Paulo.

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