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Na crise do coronavírus, para quem vão suas palmas?

10 de Maio de 2020, por João Magalhães

O ser humano é mais de críticas – pichações, na fala moderna – do que de palmas. Infelizmente.

Estendendo para a ciência, entidades e pessoas, a frase de Ênio (239-169 a.C.), citada por Cícero (106-43 a.C.) em “De amicitia”:  “amicus certus in re incerta cernitur” (ou seja, o amigo certo se reconhece numa situação incerta), meus aplausos vão atualmente, aliás sempre foram, para os cientistas, especialistas e entidades sérias que têm como alicerce de fundação um profundo humanismo, resumido num culto eterno e ilimitado à vida – de modo especial, a humana.

Novamente citando Cicero em “De oratore”:História...testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae, nuntia vetustatis” (História: testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, mensageira do passado), um diálogo nosso com o presente e o passado, uma interação entre a história e o atual, ajudam muito a obter um discernimento confiante frente a uma problemática.

Sobre a mesa, nesse momento, três livros de antigos coirmãos meus do 4º voto solene na Ordem de São Camilo (Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos) de serviço corporal aos enfermos, hoje desnecessário, pois esses cuidados, nos últimos tempos, são objeto de legislação profissional.

Do padre Augusto Mezzomo, sobre São Camilo de Lellis, São João de Deus, São Vicente de Paulo, Ana Neri e Florence Nightingale, como pioneiros da humanização dos hospitais e da assistência aos doentes.

Um exemplo, vindo de religiosos da Ordem dos Camilianos, citado por Jean Delumeau na sua indispensável “História do medo no Ocidente”, no capítulo sobre a peste: “Mas esses religiosos[capuchinhos] não tinham o monopólio da coragem. Em 1656, em Nápoles, enquanto o arcebispo se recolhia, 96 religiosos camilianos em cem morreram da peste; em 1763, em Messina, dezenove em 25” (p.137).

Nestes momentos vividos agora, nada como citar São Camilo de Lellis: “Ao atender o doente: enquanto as mãos fazem o que devem, os olhos vejam o que lhe falta, os ouvidos estejam atentos aos seus pedidos, a língua lhe dirija palavras de conforto, a mente e o coração orem por ele. Mais coração nas mãos, irmão”.

“Os enfermos são as pupilas dos olhos de Deus. O que fizermos pelo último deles o teremos feito ao próprio Deus. O quarto do doente é a capela, a cama é o altar, o doente é Jesus sobre o altar” (São Camilo de Lellis).

Do padre Antônio Puca, sobre o papel na epopeia da caridade exercido pelas Santas Casas de Misericórdia (“As Santas Casas de Misericórdia. De Florença a São Paulo, a epopeia da caridade): É digna de nota a Casa de Misericórdia, erigida em Salvador da Bahia: “pacientes tratados no Hospital da Misericórdia, a julgar pelo fato de que qualquer cidadão em condições de pagar um médico recebia o tratamento na própria casa, eram geralmente provenientes dos setores mais pobres, pertencentes a quatro grupos: os negros ou brancos pobres: os estrangeiros; os soldados e marinheiros de navios de guerra ou de outros navios da coroa” (p.10).

Do padre Firmino Pasqual (“As Santas Casas e a Evangelização”): “Os hospitais, praticamente, nasceram com o Cristianismo. No ano de 373 o Arcebispo São Basílio funda, em Cesareia, um hospital constituído por um albergue para viajantes e estrangeiros – Asilo para velhos – Asilo para crianças e Abrigo para doentes. A palavra “hospitalis” quer dizer hóspede, porque eram principalmente grandes moradias ou abrigos para acolher peregrinos, pobres e enfermos, conforme o saber da época” (p.7)

É a humanidade ocidental prestando uma homenagem agradecida a seus heróis, seus cuidadores, seus provedores, sobretudo em épocas de grande sofrimento: epidemias, pestes, guerras, terremotos etc. É a História batendo palmas!

Restringindo para associações religiosas, igrejas, seitas. Frente a pregações como ouvidas recentemente de ministro religioso apontando e agradecendo o governo como enviado de Deus para ajudar os atingidos pela pandemia e pedindo o dízimo sobre a ajuda recebida em dinheiro, há que se abominar tais atitudes!

E, sim, divulgar e colaborar com iniciativas realmente benéficas. E as palmas da atualidade vão para os mártires da saúde, profissionais que não fogem de sua missão, arriscando a própria para salvar a vida dos outros: para a misericórdia (“miseris cor dare” – oferecer seu coração aos necessitados) concretizada em atos, como empresas que se transformam em fabricantes de produtos hospitalares, firmas que estão fazendo de tudo para não demitir, voluntários como samaritanos que vão auxiliando os doentes e tantas outras iniciativas...

É o que penso. E você?  

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