Se o filósofo Emmanuel Mounier (1905-1950) - nosso grande apóstolo do Personalismo Humanista - escrevesse hoje seu livro, em vez de intitulá-lo “Sombras de medo no século XX”, quiçá escrevesse “Nuvens de pavor no século XXI”, tais as barbaridadesque estão acontecendo por obra do terrorismo, que sempre existiu, mas que agora universalizou, pois tem todos os fantásticos avanços tecnocientíficos a seu dispor.
O mundo moderno ainda tem áreas bem amplas de governo teocrático. Ou seja, organizações políticas dominadas por organizações religiosas. Teocracias diretas com dirigentes religiosos sendo também chefes políticos, ou indiretas, com a doutrina, os dogmas, os princípios e até as leis religiosas sustentando a ideologia e os procederes políticos de nações. É o caso de alguns países do mundo islâmico.
Nas teocracias, quem diverge é herege, é infiel, é inimigo do deus de sua crença, o único verdadeiro. Há que discriminá-lo, combatê-lo, eliminá-lo fisicamente, se preciso for.
Na propagação e sustento das teocracias, o papel do fanatismo é fundamental. Ele é o instrumento de ação. Quem arregaça as mangas, puxa o gatilho, maneja a adaga que corta o pescoço, veste o cinturão de bombas e se explode junto, é quase sempre o fanático. Mas, o que é o fanatismo?
O mais famoso escritor israelense atual, Amós Oz, cujo livro mais recente: “Como curar um fanático” a Companhia das Letras publica agora, ele próprio detestado pelo fundamentalismo do partido rabínico de Israel, favorável que é à criação do Estado Palestino, diz: “O crescimento do fanatismo pode ter uma relação com o fato de que quanto mais complexas as questões se tornam, mais as pessoas anseiam por respostas simples. Fanatismo e fundamentalismo muitas vezes têm uma resposta com uma só sentença para todo sofrimento humano. O fanático acredita que se alguma coisa for ruim, ela deve ser extinta, às vezes junto com seus vizinhos. O fanatismo é muito antigo. É mais antigo que o Islã, o Cristianismo e o Judaísmo. Mais velho que todas as ideologias”.
Assim, praticamente, toda religião tem seus fanáticos, sobretudo as chamadas religiões do livro, por exemplo, Cristianismo, Judaísmo, Mórmons, Islamismo, Espiritismo e muitas outras. Aqueles que seguem e defendem a letra de seus livros sagrados como valor absoluto: a verdade está na letra, na forma do escrito.
E cito o jornalista e escritor Flávio Tavares (“A fanática visão única” OESP, 18/11/15 A2), ao comentar as barbaridades que estão acontecendo: “Todo fanatismo tem fundo religioso (A meu ver, no sentido de adesão a uma força maior em que se acredita, seja um partido, um time, um líder etc.). O fanatismo político que criou os campos de extermínio de Hitler, Stalin ou Pol-Pot, ou o fanatismo no futebol, que mata o desconhecido torcedor adversário, têm seu nascedouro na visão da ‘verdade única’”.
“A religião em si não é culpada. A culpa vem da religiosidade fanática, sem amor nem ternura”. São José Maria Escrivá (santo do século 20) a interpretava como extensão do fetichismo e da superstição. Sim, pois o ventre do fanatismo é místico-religioso. A visão fanática provém do pensamento único de seita. “Deus fala e age somente por nós, que somos a verdade única”.
José Maria Escrivá foi um padre espanhol, canonizado pelo papa João Paulo II, que fundou a instituição católica “Opus Dei” que também, como todo movimento, deve ter os seus fanáticos.
Por falar em livro “Mein Kampf” (Minha Luta) de Adolf Hitler voltou aos noticiários por cair no domínio público. Qualquer pessoa pode publicá-lo. Publicado em 1925, contém o programa político do líder Adolf Hitler, responsável pela morte de milhões de pessoas, assassinato programático dos judeus, desolação da Europa e tudo mais.
Escreve o jornalista e intelectual francês Gilles Lapouge: “Em 1930, o livro encontrou seu público e, após 1933, tornou-se a bíblia do regime (nazista). Edições de luxo eram feitas. Jovens casais recebiam um exemplar do Mein Kampf de presente de casamento. Como Hitler era um homem sensível, exigiu que sua obra fosse publicada em braile, para que os cegos também pudessem usufruir dela. Ficaram assim sabendo que, em 1925, o jovem Hitler previa que, no futuro Grande Reich, os ‘deficientes’ seriam eliminados e os ‘povos inferiores’ seriam escravizados pelos ‘superiores’”!