Há solução para o EI? A curto prazo, não acredito. O próprio presidente da França, François Hollande, já declarou por duas vezes: a luta será longa e seu primeiro ministro também: “Esta geração terá que conviver com o terrorismo”. Acho, como muitos, que uma declaração de guerra pouco resultado dará. A batalha real deve ser contra o radicalismo de todo tipo. Poder-se-á aniquilar o Estado Islâmico, mas outros movimentos o sucederão.
“Ainda que bombardear as fortalezas do EI no Iraque ou na Síria faça sentido do ponto de vista militar, não quebrará o encanto da revolução islamista para os jovens frustrados, entediados e marginalizados das periferias francesas”, na opinião do professor Ian Buruma.
Vejo, no entanto, um rumo na confluência de dois caminhos que terão que se abrir; digamos assim, um exógeno, outro endógeno.
A via exógena, ou seja, de fora para dentro, supõe uma luta unificada da parte das sociedades atacadas, como diz o ministro das relações exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier: “É preciso unificar luta contra extremistas. Necessitamos de persistência e estratégia política que envolva um engajamento militar, humanitário e diplomático”. E explica: “Nós no Ocidente precisamos mostrar determinação no combate à exclusão social que cria alienação. Isso significa intensificar nossos esforços para integrar muçulmanos e imigrantes de todos os níveis. Ao mesmo tempo, temos que enfrentar o EI nos lugares onde ele nasceu: Iraque e Síria. Sabemos que o terrorismo não pode ser derrotado somente com bombas. Mas sabemos também que a ameaça representada pelo EI não será eliminada sem os recursos militares...”.
Steinmeier resume: “Três componentes são cruciais para o sucesso da nossa estratégia política. O primeiro é apoiar aqueles que estão enfrentando o EI. Segundo, sabemos por conflitos anteriores como é importante restaurar a confiança da sociedade em áreas libertadas do EI. O terceiro componente é o mais difícil de colocar em prática, mas é o mais importante. No longo prazo, os conflitos e o caos que permitiram ao Estado Islâmico se expandir somente serão vencidos se os grupos populacionais no Iraque e na Síria compartilharem de uma mesma perspectivas política”.
O ódio dos afetados, dos ameaçados (todo mundo, aliás), o medo, o pânico que naturalmente levam a radicalizações – radicalização contra radicalização - são compreensíveis, mas não é uma política islamofóbica que segrega e humilha os muçulmanos que vai resolver. Quanto mais cresce, mais o EI arrebanha recrutas. Uma radicalização neste sentido é fazer o jogo do terrorismo; é isto que ele quer. É bom lembrar que os praticantes dos últimos atentados na Europa são oriundos de comunidades de imigrantes, marginalizadas, segregadas.
A via endógena, ou seja, de dentro para fora, é responsabilidade de Sociedades e Estados de fundamentação islâmica. Numa analogia biológica, o corpo islâmico, em sua maior parte sadio, precisa criar anticorpos contra os vírus mutantes do radicalismo que o está infeccionando.
Urge aos teólogos do Islã, uma leitura mais atualizada de seus livros sagrados, uma exegese mais contextualizada, menos letra, mais espírito. Quem sabe até restaurar o conceito milenar islâmico da “Irja”.
Quem explica é o jornalista muçulmano Mustafá Akiol: “Se você não tiver conhecimento de teologia medieval islâmica, provavelmente não fará ideia do que irja significa. Literalmente quer dizer adiamento. Era um princípio teológico lançado por alguns teóricos islâmicos durante o primeiro século do Islã.
Na época, o mundo muçulmano vivia uma grande guerra civil, com protossunitas e protoxiitas lutando pelo poder e um terceiro grupo chamado Khawarij (dissidentes) excomungando e massacrando os dois lados.
Ante esse caos sangrento, os proponentes da Irja diziam que a inflamada questão de quem era verdadeiramente muçulmano deveria ser “adiada” para a outra vida. Mesmo muçulmanos que abandonassem toda prática religiosa e pecassem muito, raciocinavam eles, não poderiam ser denunciados como apóstatas. Os estudiosos que divulgavam esse pensamento ficaram conhecidos como “murija” ou simplesmente “os adiadores”. A teologia por eles esboçada poderia ter sido base de um Islã tolerante, não coercivo, pluralista.
Infelizmente, eles não tiveram suficiente influência no mundo islâmico. Sua escola de pensamento desapareceu rapidamente, sufocada na memória da ortodoxia sunita como uma das primeiras “seitas heréticas”.
Não é por nada que o EI a considera a mais perigosa “Bid’ah” (heresia)
Fonte: jornal O Estado de São Paulo.