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Os simbolismos do corpo humano na Bíblia: a boca – parte 4

16 de Fevereiro de 2017, por João Magalhães

Egito, reinado Sesóstris I (1971-1930 a.C) Abraço e beijo de saudação, expressando íntima ligação e lealdade entre o rei e o deus Ptah.

Para a Bíblia, a boca compõe-se de lábios, língua, dentes e palato. Em virtude da multifuncionalidade dos componentes da boca humana, a ela está ligada uma vasta gama de símbolos, que vai do desprezo à mais alta apreciação: O sorriso, o beijo, os provérbios e aforismos, o justo e injusto falar, o discurso correto e oportuno, o silêncio, a mudez, a maldição, o vitupério etc.

O sorriso. Comumente, não é um sorrir afável e sim uma expressão de júbilo pela vitória sobre um inimigo, ou até uma satisfação pelo mal alheio (Sl 52,8). O próprio Deus tem semelhante atitude: “O que habita nos céus ri, o Senhor se diverte à custa deles [nações e reis amotinados]. E depois lhes fala com ira, confundindo-os com seu furor” (Sl 2,4.5. 9). E Jesus: “Bem-aventurados vós que agora chorais [pela opressão dos ricos], porque haveis de rir [pela mudança de situação: os ricos que riam, agora choram]” (Lc 6,21.25).

O beijo. “A Bíblia hebraica fala com mais carinho da boca que beija. “O belíssimo poema “Cântico dos Cânticos” assim começa: “Beija-me com beijos de tua boca”!

O beijo pode ser acompanhado também pelo choro: “Jacó deu um beijo em Raquel e depois caiu em soluços” (Gn 29,11). Lc 7,38: “Então ficando por detrás [uma mulher], aos pés dele, chorava; e com lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e ungi-los com o perfume”.

O beijo de saudação como em Gn 29,13: “ Labão correu a seu encontro [de Jacó], apertou-o em seus braços, cobriu-o de beijos”. O beijo de despedida: At 20,37: “E lançando-se ao pescoço de Paulo, beijavam-no, veementemente aflitos, sobretudo pela palavra que dissera: que não mais haveriam de ver sua face”; Gn 4,48: “E José os [netos] fez aproximar-se dele [Jacó], que os beijou e os apertou entre os braços”.

Há também o beijo formal, com o qual as autoridades expressam a recíproca lealdade, o beijo fraterno oficial (2Sm 14,33) ou o beijo ritual, por ocasião da unção (1Sm 10,1) que expressa a transmissão do poder e o selo de legitimidade.

No Egito, a lealdade entre a casa do faraó e o Templo podia ser expressa por meio de um beijo entre um deus e o rei. Quanto a Yaveh, no entanto, quando muito, é considerado conveniente apenas o beijar seus pés (Sl 2,11), mesmo porque, para os profetas judeus, beijar uma imagem de culto é algo horrível: “Seres humanos beijam bezerros!!” (Os 13,2).

E como compensação ao beijo da traição como o de Judas, a bela metáfora do salmo 85,11: “Justiça e Paz se beijam”.

A boca sensata. Símbolo do conselho, do provérbio sábio, do aforismo, da purificação ou da profanação. Eclo 22,27: “Quem me colocará um guarda na boca e sobre os lábios o selo da sagacidade, para que eu não caia por sua falta e minha língua não me arruíne”? Pr 15,4: “Uma língua reconfortante é uma árvore de vida, mas, se nela há perversão, esmaga o espírito”. Mt 15,10: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim, o torna impuro”.

A boca muda. Símbolo de opressão. A mudez é vista como obra do demônio. Lucas,11,14: “Quando o demônio saiu, o mudo falou e as multidões ficaram admiradas”. Diz Isaias 35,6, que no tempo da salvação a língua dos mundos se destravará e eles cantarão alegres canções. No Egito, era pavorosa, a ideia de ficarem mudos no mundo dos mortos. Assim, atribuía-se grande significado ao ritual de abertura da boca que os sacerdotes faziam na múmia.

A boca dominadora. A língua como instrumento de dominação, prepotência e orgulho. Exemplo é a torre de Babel (Gn 11), que seria uma reação ao rei assírio Sargon II que visava alcançar um domínio universal por meio da uniformização da língua.

A boca da união. A felicidade pelo mútuo entender-se de línguas diferentes, simbolizada pelo milagre das línguas em Pentecostes (At 2,1-13) e pela assembleia das nações na visão do Apocalipse (7,9): “Depois disso, eis que vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé diante do trono do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mão”.

 

(Fonte principal: Schroer e Staubli: “Simbolismo do corpo na Bíblia”).

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