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Simbolismos do Corpo Humano na Bíblia: A garganta – Parte 1

17 de Novembro de 2016, por João Magalhães

Detalhe de um relevo do palácio de Assurbanípal em Nínive (Iraque; 668-626 a.C.). Em uma comemoração de vitória por ocasião da tomada de uma cidade elamita pelo dominador assírio, as mulheres cantarolam e fazem vibrar a garganta.

O corpo humano contribui muito para a linguagem simbólica, ou seja, suas funções, atitudes, posturas, gestos, aspectos físico-anatômicos, expressões emocionais, muitas biologicamente padronizadas e muitas mais outras, moldadas pela cultura, que gera costumes, que geram sinais, que geram a linguagem simbólica, que gerou o alfabeto fonético, ampliador quase ao infinito da linguagem humana.

Nossa leitura da Bíblia – a grande contribuição do povo hebreu para o mundo –, durante muito tempo, foi feita com lentes ocidentais, ou seja, com “óculos” fornecidos pelos gregos e romanos antigos. Nos tempos últimos, porém, graças ao trabalho de exegetas que se aprofundaram e ainda se aprofundam no estudo e vivência da cultura semita, está-se usando muito os “óculos semitas” que focalizam bem mais nítido a linguagem dos povos bíblicos (sumérios, assírios, babilônios, acadianos, egípcios, medos, persas, hebreus etc.).

Com isso, clareando, ampliando, e, sobretudo, aflorando a opulência de conteúdo do texto bíblico, e protegendo-o, ao mesmo tempo, de perigosas leituras literalistas.

Em artigo recente (OESP, 21/08/16) de Leandro Karnal – intelectual com muita evidência atualmente – encontrei confirmação e extensão do que sempre valorizei: a importância de uma educação para o olhar e para o ouvir (imagem e som), a importância de trabalhar com uma pluralidade de discursos. A visão de mundo, com isso, é muito mais vasta, ampla, aberta, transparente, diáfana, tolerante.

Frente à Bíblia, sem dúvida o livro religioso que mais energizou e energiza o mundo para o bem ou mal, acho que a aplicação da pluralidade dos discursos, em que ela é muito rica, só contribui, só a valoriza.

O signo bíblico mais usado, atualmente, verdadeiro mantra nos cultos, principalmente dos assim autodenominados evangélicos, é o Aleluia!.  Exclamação litúrgica: “louvai a Yhwh” (Javé) que aparece muitas vezes no Antigo Testamento, máxime nos salmos, mas só uma vez no Novo: Ap 19,1-6.

Motivou-me o iniciar desta série com o título acima, pois, o “aleluia” tem estreita ligação com a garganta que por sua vez tem um valor simbólico muito profundo na linguagem bíblica.

Os exegetas Sílvia Schroer e Thomas Staubli (“Simbolismo do corpo na Bíblia”) escrevem: “É uma experiência tocante quando as orientais prorrompem em jubilosa alegria em uma festa de casamento. Elas emitem altos sons enquanto tremulam a mão na garganta. Produz-se um trinado curioso e penetrante. De forma altamente colorida esse cantarolar é denominado hallel em hebraico, comparável à nossa palavra “ulular”. O convite a cantarolar se expressa com hallelu, e quando se deve cantar para Yhwh, diz-se,  hallelu-ya. Pelo ulular e pelo cantarolar do “aleluia”, brota através da garganta um grito primordial do interior da pessoa humana”.

A simbolização do antigo oriente opera muito com o dinamismo do objeto mais do que com sua forma, criando dessa maneira metáforas instigantes. Daí a simbolização vasta e profunda da garganta com suas funções sonoras (cordas vocais), respiratórias, duto que é para os pulmões e gustativas dos alimentos ingeridos. A palavra hebraica nefesh, garganta, apresenta uma ampla gama de significados.

“Concretamente relacionada com a garganta, portanto, nefesh não significa apenas o órgão da garganta visível, mas também a garganta audível que chama, reclama ou grita, e a garganta ávida, insaciável, faminta e sedenta, devoradora ou ansiosa pelo ar. Em resumo, tudo o que entra e tudo o que sai da pessoa humana – ar, água, alimento, voz, fala – concentra-se no desfiladeiro da goela. A nefesh torna-se símbolo da pessoa carente, desejosa, significa aquele elã vital, aquela força que faz a pessoa um ser sequioso de vida”.

“O Senhor Deus modelou o ser humano com o pó apanhado do solo. Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o ser humano se tornou um nefesh vivo. (Gn 2,7).

O espaço nos permite apenas citar alguns outros símbolos, além de vida e pessoa. Por exemplo: emoção, (“nó na garganta”); integralidade do ser, pois a garganta (pescoço) une a cabeça ao corpo. Daí a trágica simbolização da execução por decapitação, significando o completo extermínio de um inimigo; a alma nos seus diversos significados dentre as culturas.

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