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Sobre besouros e gafanhotos

16 de Fevereiro de 2022, por João Magalhães

Como eu, o leitor deve ter visto recentemente as fotos de milhares de besouros invadindo a Argentina, causando danos.  E a impressionante nuvem de gafanhotos vinda do Paraguai, onde provocou enormes prejuízos agrícolas, invadindo a Argentina e ameaçando ingressar no Rio Grande do Sul, o que não aconteceu, graças ao vento que a desviou.

Uma das memórias mais antigas de minha infância é a narrativa de meu pai, da fantástica nuvem de gafanhotos que invadiu as terras da fazenda dos Curais, onde ele nasceu e viveu até se casar. Contava ele que os camaradas se reuniram e rolavam troncos de árvores ladeiras abaixo para esmagá-los quanto possível. Mais tarde, já adolescente, no seminário, lendo a Bíblia pela primeira vez (Êxodo 10,12-20), a praga dos gafanhotos que devastam o Egito reforça minhas impressões.

Pessoas que estudam o comportamento animal (Etólogos: do grego ethos: comportamento, morada, uso, costumes, hábito etc.) atribuem esses fenômenos a alterações no ecossistema e/ou mudanças climáticas, como, por exemplo, calor excessivo.

Alguns estudiosos afirmam que a Terra já passou por fases difíceis e perigosas – as famosas eras – e se recuperou. Contudo, o aparecimento do ser humano, com sua autoconsciência, autorreflexão e autodeterminação, transfere para nós a responsabilidade de seu cuidado. A Bíblia, sabiamente, também endossa. É o sentido de “Enchei a Terra e submetei-a” de Gn 1, 28 e de Gn 8,1: “todos os animais que estão contigo... faze-os sair contigo [Deus fala a Noé, na saída da arca] ... que pululem sobre a Terra”.

Vendo a humanidade envenenando nosso planeta, poluindo o ar que respiramos, provocando o efeito estufa que descontrola nossas estações climáticas; enchendo nossos mares e rios de entulhos; desmatando nossas florestas, fontes de nossa água; esburacando nosso solo e causando desastres (Mariana e Brumadinho que o digam!) “mercurizando” terra e água à cata de ouro e tudo mais... chega-se à conclusão de que agimos na contramão. Recente, reportagem sobre o envenenamento do rio Tapajós confirma isso: o mercúrio dos garimpos impregna-se nos peixes, que, por sua vez consumidos, contaminam a população.

“Nestas Democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornam mais secas e menos capazes de piedade” (Eça de Queiroz 1845-1900). O escrito acima, há mais de cem anos, acho que encerra uma verdade. Cabe ao leitor aplicá-lo a quem quiser. (*)

Resta-nos um apelo à nossa consciência para curar nosso globo, enquanto é tempo. Se morrer nosso universo, morrerá a vida nele existente. Morremos nós e todos os seres vivos.

Há que se ampliar o conceito de ética social, ética pessoal, ética profissional, ética do consenso etc. – que são um conjunto de normas e direcionamentos em torno de escolhas e valores a que a comunidade adere – para uma ética ecológica, ou ambiental. Uma ética que considera o espaço comum a casa de todos. Que se baseia no respeito e conservação de todo vivente: animais e vegetais. Uma ética global.

Uma ética de respeito ao ser humano, o outro que vive conjuntamente conosco, deve ser completada por outra ética que respeita o outro “outro” que é o ambiente.

Escreve Tiago Adão Lara, vida ida em 2019, que está fazendo falta: “Em primeiro lugar o ‘outro’ é a natureza, na riqueza e no ímpeto de suas forças, com as quais o homem tem de relacionar-se. A natureza revela-se ambígua nas suas manifestações: é dom e ameaça. É no fio da ambiguidade das forças naturais, que o ser humano tem de equilibrar-se e construir seus mundos ou, melhor dizendo, é nesse entrelaçado de forças naturais contrastantes que ele vive, é nelas e com elas, que ele emerge, que ele também é tecido, enquanto natureza”.

Fica a esperança de nosso Brasil se enturmar para valer com as nações que participaram da conferência da ONU sobre o clima, em Glasgow, Escócia, em 2021.

Mais de cem países assinaram novas promessas para proteger as florestas, acabar com os desmatamentos e restaurar paisagens. Promessa também de reduzir as emissões de gás metano. Tomara!

É o que penso. E você?

 

(*) A Mostra de Cinema de Tiradentes deste ano (2022) apresentou: “Lavra”. Extraordinário e corajoso documentário que aborda o tema: Capitalismo contra a Natureza.

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