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Um “Corpus Christi” sem alegria

12 de Julho de 2020, por João Magalhães

“Corpus Christi” - 11/6/2020 - sol da manhã dando brilho às ruas de Resende Costa. Dia festivo para a natureza, mas a cidade, deserta. Um ou outro raro transeunte. Culpa do coronavírus. Girou a roda da fortuna. O vírus infinitamente multiplicado escorraçou a maior parte dos devotos. Privatizou as cerimônias para dentro dos templos.

Cadê a festa bonita? Crianças, jovens, adultos, idosos, atapetando as ruas. Serragem tingida, flores, folhas verdes formatando símbolos religiosos. Nas janelas, vasos de flores e pendendo delas as toalhas mais luxuosas, as colchas mais chiques. Tudo para a passagem da procissão dos “três abenços”, como falava a Maria da tia Nininha, minha prima, não mais entre nós.

 

Resende Costa religiosa. Na tela da memória, a procissão solene. As irmandades com seus signos à frente. Guarda de honra do ostensório com a Hóstia Consagrada – o Corpo de Cristo do dogma católico –, a irmandade do Santíssimo, a elite do presbitério, opa vermelha cintilante, segura as hastes do pálio. À sombra dele, o celebrante das bênçãos, envolto pela rica capa de asperges, acolitado pelos padres, clérigos e coroinhas, ergue o Santíssimo para a visão de todos.

Protegido, resolvi caminhar pelo trajeto tradicional da mais alegre procissão do culto católico: a multicentenária do Santíssimo Sacramento, originada aí pela metade do século 13. Poucas casas, janelas abertas, com os enfeites costumeiros.

Minha pré-adolescência, já tão remota, voltou ao presente. Resolvi, de carro, dar um giro pelas áreas da “vila” sempre percorridas, naquela época, com alguns companheiros do “Assis Resende”. Rodei pela Rua Sete, antigamente apelidada preconceituosamente de “Caba Fubá”. Aí vi um altar montado na entrada de uma casa. Visível, uma decoração sincrética, misto do religioso europeu com cultos afros. Girei também por algumas ruas da agora moderna Nova Resende, toda reformada.  Minha memória desgastada pelo tempo desta vez negou fogo. Onde ficam os antigos “Beira-Muro” e “Serra do Urubu”?

Mesmo fora do antigo percurso da procissão, uma ou outra residência enfeitada. O bom é que nem tudo a pandemia apagou. Muitas pessoas no seu recinto cumpriram a tradição, conforme suas vivências e fé.

Fiquei pensando sobre o simbolismo das toalhas e colchas nas janelas para os moradores. Certamente, não acredito que sejam só um caprichado ornamento. Talvez os habitantes se sintam visitados pelo hóspede sagrado, Jesus Cristo, e o homenageiam com tudo que possuem de mais fino e belo.

Feita a reserva de que há símbolos comunitários generalizados no meio da sociedade e um exemplo é a bandeira nacional dos países, há espaço, no entanto, para símbolos individuais, subjetivos, criados pelos sentimentos, pelo psiquismo de cada um. O ser humano reage a sinais e, quando um sinal movimenta seu mundo interior, torna-se um símbolo. Seja ele positivo ou negativo. Uma cruz pode significar o sofrimento por amor, mas também o ódio, o massacre, como o é a suástica do Nazismo!

Pessoalmente, as toalhas e, sobretudo, as colchas típicas dos teares de nossa cidade remeteram-me aos tecidos nas tradições do Novo Testamento. Na última ceia, a toalha com que Jesus enxugou os pés dos apóstolos (Jo 13,4). Uma toalha cobriria a mesa? As pinturas respondem que sim. A toalha segura pelas 4 pontas na visão de Pedro em Cesareia (At 10,11). O pano de linho que envolvia o moço que escapa nu do Jardim das Oliveiras no momento da prisão de Jesus, que a tradição diz ser Marcos, o futuro evangelista que narra o fato (Mc 14,52). O lençol branco de linho com que José de Arimateia e Nicodemos envolveram o corpo de Jesus para a sepultura, conforme o costume judeu (Jo 19,39-41), celebrizado, aliás, pelo famoso e discutido Santo Sudário de Turim.

E, sobretudo, a túnica que, segundo o dicionário de símbolos, é signo do eu, da alma e da região de contato com o espírito. Furada ou rasgada, representa cicatrizes e simboliza as feridas da alma.

Justifica a narrativa do evangelho segundo João: “Ora, a túnica era sem costura, tecida como uma só peça, de alto a baixo. Disseram entre si [os soldados]: “não a rasguemos, mas tiremos a sorte, para ver com quem ficará.” (Jo 19, 23,24)

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