Voltar a todos os posts

Uma crônica do comércio antigo de Resende Costa

14 de Maio de 2019, por João Magalhães

Hoje, apenas o Verso, até para dar um tempo de decantação a tantas controvérsias que alagam o país.

A crônica é da resende-costense Terezinha Hannas, filha do Abrahão Turco. Conheci-a quando das pesquisas para a série no nosso jornal: Os “Turcos” em Resende Costa (entre aspas, pois são sírio-libaneses, chamados de turcos porque emigravam com passaporte do império turco otomano):

“Lembrando o título “Os ‘turcos’ em Resende Costa”, já exibido anteriormente no JL, faremos um resumido histórico da atividade comercial da família Hannas, nessa cidade.

Hanna Antunes, carinhosamente chamado de João Velho pelos resende-costenses, juntamente com seus filhos Calixto, Abrahão, Elias e Alfredo, iniciou sua atividade comercial assim que chegou ao Brasil, escolhendo Resende Costa para seu domicílio.

A princípio, estabeleceu-se numa casa dos ‘Quatro Cantos’ (hoje Avenida Monsenhor Nelson), depois na praça Rosa Penido e, finalmente, na Avenida dos Expedicionários (hoje Avenida Ministro Gabriel Passos). A loja, com quatro portas, era interiormente dividida em duas partes: na maior ficavam tecidos, armarinhos, cosméticos, calçados etc; e na outra, gêneros alimentícios.

A loja era abastecida com produtos comprados no Rio de Janeiro. Pelo menos uma vez por ano, os proprietários iam à então Capital do Brasil, onde adquiriam tudo, que era despachado em enormes caixas de madeira.

Futuros casais faziam a compra do enxoval na loja, incluindo até um penico, sabonete Leverou Dorly, Óleo Dirce...

Dentro da cidade era fraco o comércio, pois o poder aquisitivo da população era muito baixo. Portanto, as vendas maiores eram feitas nas fazendas e povoados adjacentes, com o uso de canastras com tecidos, no lombo de cavalos. Vida dura às vezes sob sol escaldante, outras vezes sob chuvas, tarefa exercida pelo filho Abrahão, autêntico representante da raça fenícia, pois era um excelente comerciante. Apesar de sua deficiência visual decorrente de uma faísca elétrica descarregada perto da loja, ele usava invejável memória para fazer uma espécie de livro de anotações das compras. Era também invejável sua capacidade para operações matemáticas sem o uso do lápis.

Alguns fazendeiros iam a Resende Costa, às vésperas da Semana Santa, para efetuarem suas compras de tecidos para o ano todo, e o pagamento, em época sem inflação, era feito só no ano seguinte!

Quando Abrahão viajava às cidades próximas para vender e receber contas atrasadas, jocosamente as pessoas faziam piada, por meio de um versinho: “Compre fiado/Vista-se bem:/Corra pro mato, /Que o turco já vem!”

Concomitantemente com a loja, Abrahão resolveu instalar um pequeno armazém na praça Rosa Penido, onde era o armazém do saudoso José Domingos (ficava pouco abaixo da antiga cadeia, atual Fórum). Mas, com o passar do tempo, desistiu da atividade e os gêneros alimentícios foram se escasseando. Já havia pouca coisa nas prateleiras. Foi então que uma de suas filhas passou lá e disse ao Julinho (o baixinho que tomava conta do armazém): ‘Me vende um quilo de vento?’ Muito espirituoso, o Julinho respondeu: ‘Não tenho papel pra embrulhar!’

Que saudade do Julinho! Tinha pouco mais de um metro de altura. Trabalhou para a família durante muitos anos, fazendo mandados, labutando na fábrica de laticínios... Era como da família. Todos o amavam.

João Velho deu exemplo de trabalho aos filhos. De tanto ombrear mercadorias num pesado baú, ficou marcado com calosidades nos ombros. Supertranquilo e bondoso, era também muito bravo quando necessário.

Certo dia, aparece-lhe um valentão na loja, exigindo que seu filho lhe desse bebidas de graça. Impávido, João salta do balcão, agarra a orelha do valentão e atravessa com ele as ruas do povoado, mostrando que não tinha medo de ninguém

Uma cena cômica. Ao fazer a fábrica de laticínios na Avenida dos Expedicionários, faltavam 10cm na altura dos azulejos. Quando o fiscal apareceu para conferir, meu pai se lembrou de um metro velho faltando exatamente 10cm. Com ele o fiscal mediu e viu que estava de acordo com as normas... e saiu feliz: dever cumprido!

A família Hannas, apesar da discriminação racial existente naquela época, procurou o convívio amistoso com a população de Resende Costa, mas, apesar disso, havia perseguição política, orquestrada principalmente por um prefeito, cujo nome preferimos não registrar aqui.

Aos que sempre se demonstraram amigos, nossa imorredoura gratidão”.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário