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Uma inquietante afirmação do papa Francisco

17 de Outubro de 2015, por João Magalhães

A meu ver, o papa Francisco colhe um respeito e admiração, quase unânime, ao menos em nosso mundo ocidental, devido à autoridade moral que conquistou por suas atitudes, seu profundo senso do humano, seu profícuo desempenho no campo diplomático, sua pregação muito ecumênica, sua preocupação com os problemas fundamentais da Terra e de seus habitantes. Sua encíclica “Laudato Sì” é um dos exemplos.

Restringindo-se ao catolicismo, mais que Pontífice é pastor, mais que “Sua Santidade”, é a simplicidade de Francisco de Assis. Quem, como eu, vibrou com a alvorada iluminante do Concílio Vaticano II e entristeceu-se com névoas opacas vindas depois do papa Paulo VI, o Papa Francisco cria, com seu pontificado, uma nova esperança. Tem assumido corajosas posições, usadas quando necessário palavras duras e, até mesmo, impondo punições. Sobretudo, de seus comportamentos transcende um profundo humanismo.

Quando vi e ouvi pela TV e li sua declaração, no avião, voltando de sua exitosa visita a Cuba e Estados Unidos: “A objeção de consciência deve estar em toda estrutura jurídica porque é um direito”, achei oportuno pensar um pouco com os leitores sobre esta afirmação.

Segundo a mídia, foi a resposta que deu à pergunta que lhe foi feita sobre se ele apoiava indivíduos que se recusam a acatar algumas leis, como a da emissão de licenças para casamentos gays. Sua resposta foi que o direito à recusa é uma questão de "direitos humanos"

Segundo o “Estado de S. Paulo” (29/9/15 A13): “As declarações de Francisco foram dadas horas depois de o prefeito de Filadélfia, Michael Nutter, defender os direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (LBGT) em discurso após a visita de Francisco à cidade. “Nos Estados Unidos, todos têm direitos”, disse o prefeito, católico e ex-coroinha na infância. “A nossa comunidade LBGT tem o direito de continuar a luta pelos seus direitos”.

O fato que motivou a pergunta sobre a opinião do papa certamente foi a prisão da funcionária municipal do Estado de Kentuchy (EUA), Kim Davis, por se recusar a emitir uma certidão matrimonial para um casal gay, desobedecendo à decisão da Suprema Corte dos EUA, que legalizou casamentos de pessoas do mesmo sexo.

Ressalvando que a frase do papa possa ter sido descontextualizada ou até muito simplificada, como foi apresentada, acho que comporta objeções. Tratando-se de funcionários públicos ou de quem trabalha em órgãos públicos, num conflito entre dois direitos, o direito de objeção de consciência não deve prevalecer. Não prevalece a pessoa do funcionário que é um trabalhador do Estado, vale o direito da pessoa que necessita de seu serviço.

Nos anos de capelania religiosa no Hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (IAMSPE), por várias vezes fui chamado para tentar convencer os pais, ou responsáveis legais, a permitir a transfusão de sangue a seus filhos menores, prática, na época, proibida pelas “Testemunhas de Jeová”. Hoje, não sei se ainda permanece.

Lembro-me de casos de exsanguineotransfusão (troca do sangue), alguns na pediatria. Ou se fazia, ou se morria. Negavam a permissão pelo argumento de consciência: pecado, Deus não permitia. Direito de objeção de consciência?! Preferiam a morte do filho ou incapaz! E o direito deles à vida?

Entre o direito à vida e o direito à objeção de consciência, o que prevalece? Uma coisa é desobedecer a uma lei, invocando a própria consciência e arcando com as consequências.

O caso é outro, quando você, sendo responsável por função, descumpre um preceito, ferindo direitos do outro. Nesse caso, acho que não se pode invocar o direito de objeção de consciência. Um médico, por exemplo, seguidor de uma religião que proíbe transfusão de sangue, atendendo num hospital público, sendo único, portanto não tendo possibilidade de transferir o trabalho para um companheiro, pode se recusar, invocando direito de consciência?

E os que se recusam a servir o exército, outro exemplo, invocando a objeção de consciência por serem fiéis de uma religião que proíbe?

 

É o que penso. E você?

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