Psicologia e Cotidiano

Escolha profissional

13 de Novembro de 2013, por Carlos Alexandre de Resende 0

Este mês decidi escrever sobre a questão da escolha profissional, um assunto de interesse para adolescentes, familiares e cada vez mais para profissionais já inseridos no mercado de trabalho. É evidente a necessidade de trabalhar para conseguir dinheiro e suprir as necessidades de sobrevivência, além de outras não menos importantes como lazer, cultura e desenvolvimento pessoal. Entretanto, o trabalho é mais do que um mero fazer para receber, é um conjunto de atividades e relações sociais diárias que podem gerar satisfação, desenvolvimento e realização pessoal ou sofrimento e insatisfação, em alguns casos, até adoecimento (as estatísticas sobre o estresse no trabalho são bastante altas). Por tudo isso e também pelo fato das pessoas passarem, pelo menos, oito horas diárias trabalhando é necessária uma atenção especial no sentido de escolher com o quê, onde e como trabalhar.

Nas sociedades antigas a maior parte das pessoas não tinha a possibilidade de escolher seu trabalho, sua profissão. Estavam fadadas a ser o que os pais e, principalmente, a classe ou condição social estabeleciam. Em nossa sociedade contemporânea, embora muitos ainda aceitem quase sem pensar um ou outro emprego por necessidade, cada vez mais os indivíduos têm a possibilidade de escolher sua profissão ou pelo menos planejar melhor seu futuro profissional.

Diante de tal possibilidade alguns questionamentos surgem: Devo fazer uma faculdade? Um curso técnico? Qual curso escolher? Abrir um negócio e ser o meu próprio patrão? Em que área? Trabalhar agora ou estudar primeiro? Estudar para algum concurso? Quero uma vida simples, conseguir um emprego que me permita ganhar meu dinheiro e me realizar com outras coisas fora do trabalho? A maioria das pessoas acaba ficando um pouco angustiada, mas escolhe de forma mais ou menos segura e rápida. Entretanto, uma parte dos jovens, que precisam muito cedo decidir seu futuro profissional e até de alguns adultos, chega a sofrer com a indecisão.

Em alguns casos a ajuda profissional é importante, por meio de uma orientação vocacional e profissional. Esta era, até pouco tempo atrás, um processo onde se buscava descobrir as aptidões – capacidades e competências - os dons ou vocação da pessoa e, através de testes psicológicos, definir o perfil do indivíduo escolhendo para ele qual a melhor profissão em que se encaixaria. Assim, os resultados dos testes escolhiam para as pessoas uma profissão que corresponderia às características individuais, de sua personalidade. Atualmente, o processo de orientação profissional mudou bastante e os psicólogos buscam auxiliar o sujeito a escolher, por ele mesmo, não apenas por testes, mas também pelo autoconhecimento, pelo estabelecimento de um projeto de vida, pelo conhecimento das oportunidades e limites a serem enfrentados e elaboração de estratégias para conseguir alcançar a profissão escolhida. Assim os resultados dos testes não são um ponto de chegada, mas sim um ponto de partida.

Como nem todas as pessoas passam por um processo de orientação vocacional/profissional espero que algumas dicas neste texto possam auxiliar o leitor a refletir sobre sua própria escolha profissional. Em primeiro lugar é importante salientar que muitos fatores estão envolvidos num processo de escolha, mas dois deles são os mais importantes: o autoconhecimento e o planejamento ou projeto de vida.

Autoconhecimento, nesse contexto, significa se conhecer e procurar refletir sobre o que te motiva na vida, seus gostos, seus interesses, o tipo de vida que deseja ter e quais são os seus valores, como se relaciona com as pessoas, se consegue liderar ou seguir regras. Significa ainda, saber reconhecer suas potencialidades e seus limites. Por meio do autoconhecimento o individuo poderá chegar à conclusão de que um determinado caminho será mais ou menos interessante para ele. Poderá ainda saber o que precisará mudar em si mesmo caso escolha um trabalho que não combina com seu estilo de vida ou que exija uma competência que ele ainda não tem. Por exemplo, não gostar e ter dificuldades em matemática não é um indicativo de que um indivíduo não deva fazer engenharia, mas sim que deve solucionar ou tentar minimizar essa dificuldade caso deseje muito a profissão.

Já o projeto de vida é o estabelecimento de um planejamento a partir do autoconhecimento. É decidir que tipo de vida, de rotina diária deseja ter e estabelecer metas com objetivos e datas para alcançá-los, além dos meios concretos, como por exemplo, quanto irá gastar para estudar ou abrir um negócio. Nesse momento conhecer as profissões (saber o que cada profissional faz, como é sua rotina, as facilidades e dificuldades da função) por meio de conversas e visitas aos locais de trabalho de pessoas que já atuam naquela profissão ou possuem uma empresa é bastante válido.

 

Escolher um trabalho que ofereça um bom retorno financeiro e que ao mesmo tempo você ame fazer é um alvo a ser alcançado. Caso ainda não tenha conseguido isso existem duas possibilidades: escolher uma nova profissão ou manter o trabalho atual, mas nas horas vagas se dedicar a outras atividades, como música, futebol, pescaria, trabalho voluntário, participação comunitária ou em uma igreja etc.

Culpa perdão e responsabilidade

15 de Outubro de 2013, por Carlos Alexandre de Resende 0

“A culpa foi minha”; “Não consigo tirar isso da cabeça”; “Por que fui fazer uma coisa daquelas?”; “Não devia ter dito o que eu disse”; “Não deveria ter feito o que eu fiz”; “Não deveria ter entrado nessa”; “Por que deixei que os outros escolhessem por mim?”; “Por que deixei que fizessem isso comigo?”; “Devia ter lutado pelos meus sonhos?”; “Por que não disse o que queria ter dito?”; “Não deveria ter gastado tanto”; “E se eu tivesse escolhido outro caminho?”; “Por que não aproveitei mais os momentos com quem amo?”; “Por que não pensei melhor?”; “Por que não arrisquei?”; “Por que não fui bom (boa) o suficiente?”; “Se eu tivesse trabalhado mais...”; “Se eu tivesse estudado só mais um pouquinho”; “Nossa, como engordei. Por que fui comer tanto?”; “Não deveria ter deixado aquele amor escapar. Devia tê-lo vivido”; “Não deveria ter bebido tanto”; “Não vi meus filhos crescerem”; “Por que sinto uma coisa dessas. Isso não é certo”; “Mas, uma boa mãe não sente uma coisa dessas pelo seu filho”; “Como pude gostar de alguém que me faz tão mal?”; “Por que não me assumi antes?”; “Se eu pudesse voltar atrás faria tudo diferente”.

Provavelmente, o leitor já disse ou sentiu algo parecido com alguma dessas falas. Poderia passar o resto do texto escrevendo outras parecidas. São frases soltas, que, evidentemente, não identificam ou expõem as pessoas que as falaram. É o que escuto praticamente todos os dias, no consultório. Angústia: sofrimento, pesadelos e insônias, transtornos de ansiedade e depressões, quase sempre a culpa (consciente ou inconscientemente) está presente. Seja por algo feito, realizado, ou ainda por uma omissão, algo que se deixou passar. Muitas vezes as pessoas sofrem semanas, meses, anos e até uma vida inteira, sendo vítimas do arrependimento, de ressentimentos (ressentir: sentir de novo, ruminar tristezas e frustrações), remoendo coisas, se culpando. Sentem que falharam com os outros e, principalmente, consigo mesmas.

Nesse ponto a questão do perdão é central. Não falo aqui do tão defendido perdão ao próximo (também libertador de ressentimentos), mas sim do perdão a si mesmo. Nunca escutei alguém angustiado, que não precisasse se perdoar de algo, deixar passar e seguir em frente.

 

Mas o que seria o perdão a si mesmo? Não é esquecer o que se fez ou deixou de fazer (de algumas coisas nunca se esquece), mas, sim, “pegar leve comigo mesmo” e dar um novo significado para o que foi ou deixou de ser vivido, ver com outros olhos, com uma nova perspectiva, livrar-se dos ressentimentos. É o desafio de reescrever sua história longe das ruminações e das amarras da culpa. Encarar a situação de frente, assumir e aceitar seus sentimentos. Como costumamos dizer nos consultórios, a culpa não serve para absolutamente nada a não ser nos fazer sofrer. Perdoar-se é, em última análise, trocar a culpa pela responsabilidade: “Já está feito. Preciso me responsabilizar pelas consequências de meus atos ou omissões”. Na maioria das vezes um processo lento, difícil e até doloroso, mas que no fim é curativo e libertador.

Tempos Modernos

13 de Setembro de 2013, por Carlos Alexandre de Resende 0

Em 1908, Sigmund Freud, o criador da psicanálise e um dos pilares da psicologia como campo de conhecimento e de aplicação clínica, escreveu um breve e denso artigo: Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna. Longe de nos prendermos à teoria da psicanálise, o que mais me chama atenção na reflexão sobre o texto é que, quanto mais a humanidade avançava em sua civilização, maiores ficavam as exigências e restrições sobre as satisfações do sujeito e, consequentemente, maior a incidência de doenças nervosas.

Freud já se atentava para uma nova e gritante realidade, a sensação de que a vida estava mais complexa e exigente, passando mais rapidamente, e o tão precioso tempo parecia insuficiente e escorria por entre os dedos. Invenções que deveriam ser facilitadoras da vida moderna, como por exemplo, o domínio da eletricidade e a possibilidade da luz elétrica, a rapidez na viagem de trem a vapor, a eficiência da comunicação pelo telégrafo, a complicaram e aceleraram. A tecnologia aumentou a carga de trabalho e de compromissos, ao invés de diminuí-los.

O que ele pensaria se pudesse observar nosso dia-a-dia mais de 100 anos depois? Hoje, no século XXI, o avanço tecnológico é muito maior e a sensação de que a vida corre mais rápida é quase generalizada: “Nossa! Já é setembro?”.

Vivenciamos experiências com os mais recentes facilitadores da vida contemporânea, meios de transporte, carros e aviões mais rápidos, computadores, telefones celulares cada vez mais sofisticados e outros dispositivos ligados à internet, e cada vez mais ao alcance da população em geral. É extraordinário podermos nos comunicar em segundos com amigos que estão do outro lado da cidade ou do mundo, pagar contas e fazer compras sem sair de casa, na tela do computador. Em um dia obter informações e conhecimentos em jornais e sites da internet, que um homem do século XIX levaria uma vida inteira para conseguir.

Ironicamente, toda essa rapidez que deveria ser aliada, acaba muitas vezes nos sobrecarregando e preenchendo cada vez mais o nosso tempo, com mais coisas a fazer e expectativas a suprir. O próprio corpo acelera junto. Não por acaso temos tantos quadros de solidão, estresse, depressão e ansiedade.

Podemos falar com quem e quando quisermos, mas o que vemos com frequência são pessoas conectadas a aparelhos, colecionando centenas e até milhares de “amigos” em redes sociais, sem, às vezes, trocar palavras com outros seres humanos ao nosso redor fisicamente e sem aprofundar vínculos.

Trata-se de um processo sem volta. Ao que parece, as tecnologias vão continuar se desenvolvendo, a velocidade da vida aumentando e, se não tomarmos cuidado, junto com ela mais restrições e falta de tempo para nós mesmos e para o outro.

Precisamos aprender a “desconectar para conectar”. Ou seja, usarmos, sim, as maravilhosas ferramentas desenvolvidas pela nossa civilização, mas aprendermos a separar um tempo para nós mesmos, pensar em nossa própria satisfação pessoal. É preciso olhar ao redor e sentir a vida, ouvir quem está ao nosso lado, construir relações reais, parar e simplesmente olhar pela janela e sentir a brisa (que em Resende Costa, em especial, nos presenteia tanto), observar e refletir sobre as pequenas e saborosas coisas ao redor, ter de fato uma qualidade de vida.

Podemos, desde já, começar a exercitar nossa capacidade de aproveitar melhor o tempo, conciliando as novas tecnologias e uma insubstituível e boa conversa frente a frente.

 

(*Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo).