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Rolando agora na vitrola

17 de Junho de 2015, por Renato Ruas Pinto

Retomando um dos objetivos principais dessa coluna, que é falar da boa música que vem sendo produzida atualmente, tenho ouvido vários discos novos, sobre os quais gostaria de falar e recomendar. Há muita coisa de qualidade por aí que nós podemos encontrar, seja no formato “real”, o bom e velho CD, ou virtual, em sites dedicados à música, como o Sound Cloud, os serviços de streaming (Deezer, Spotify e outros) ou o providencial “O Jardim Elétrico”, que sempre disponibiliza trabalhos novos de forma gratuita e com a devida autorização dos artistas.

Um dos trabalhos que tenho ouvido muito é o excelente “Assopra o Borralho” do violeiro, compositor e cantor Zé Helder. Já conhecia o trabalho de Zé Helder com o “Moda de Rock” – no qual ele e o parceiro Ricardo Vignini fazem arranjos criativos de clássicos do rock para duas violas caipiras – e com o Matuto Moderno, que promove uma fusão da música caipira com o rock. E agora estou explorando o trabalho solo desse músico devotado à preservação da linguagem e legado da viola. “Assopra o Borralho” é o terceiro álbum solo de Zé Helder, que ainda se dedica ao ensino da viola em conservatórios em Minas Gerais e São Paulo.

A viola caipira já evoca no próprio nome a sua ligação com o interior e a história de artistas como Tonico e Tinoco ou Tião Carreiro e Pardinho. E Zé Helder paga o seu tributo a essa tradição em faixas como “Sabão de Cinza” e “Pão de Queijo”. Mas o disco vai muito além e foge de um possível lugar comum ao apresentar canções modernas e de harmonia e melodia sofisticadas, como na faixa de abertura “Água Limpa”, “As Bodas de Caná” ou a instrumental “Francisco”. Todas as faixas são marcadas por arranjos de bom gosto, belo instrumental e músicos convidados competentes, como se pode ouvir em “Seresta na Roça”, canção com letra de Zé Helder sobre uma belíssima música do violeiro Índio Cachoeira, ou a faixa final “O Boi”. Zé Helder é mineiro de Cachoeira de Minas, e seu disco também é uma declaração de amor ao estado, suas montanhas e valores preservados pelos mineiros, que podem ser ouvidos na faixa título “Assopra o Borralho” ou na moderna “Composição Sobre os Trilhos”. Retratos de Minas que despertam as melhores lembranças em um mineiro na diáspora como eu. Mas Zé Helder vai além das Gerais e faz a viola encontrar a música indiana com seus sitar e tabla* na “A Toada do Prof. Hermógenes”, com seu refrão com a saudação “namastê”, que saúda o deus que há em cada um.

Zé Helder é um violeiro virtuoso e domina o instrumento, seus ponteios e ritmos complexos. E é um apaixonado pela música caipira, que mostra o zelo com o estilo ao estudá-lo e difundi-lo, seja transcrevendo para a partitura seus clássicos, seja ensinando as belezas da viola. Em “Assopra o Borralho” ele mostra que também é um grande compositor, letrista e intérprete. O disco é marcado pela beleza das músicas, a qualidade dos arranjos e o acompanhamento de instrumentistas de alto nível. Importante destacar nos dias de hoje, onde a produção musical é cada vez mais questionada, é um disco nada óbvio nos caminhos que segue – e por isso mesmo surpreendente – e na sua relação com esse instrumento incrível que é a viola. É para se ouvir com cuidado e entender porque defendo a tese de que a música brasileira vai bem, obrigado.

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*”sitar” e “tabla”: dois instrumentos indianos, o primeiro, de corda e o segundo, percussão.

 

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