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Viagem no tempo e na música

11 de Marco de 2015, por Renato Ruas Pinto

Desta vez a coluna vai ser um misto de música e turismo. Existem vários destinos turísticos fortemente associados a um estilo musical ou a atrações ligadas à música: Rio de Janeiro ao samba, Buenos Aires ao tango, Chicago ao blues, Nova Iorque aos musicais da Broadway e – não poderia ficar de fora dessa lista incompleta – Liverpool aos Beatles. À exceção de Liverpool, que tem nos Beatles o seu grande chamariz, esses destinos possuem diversos outros atrativos que prendem todo tipo de turista, interessado ou não no movimento musical da cidade.

Aqui no nosso Brasil, escondida nos contrafortes da grande Mantiqueira, fica Conservatória, que atrai milhares de turistas nos finais de semana, principalmente para ouvir suas serestas.

Dizem as histórias que a tradição das serenatas desse pequeno distrito de Valença (Rio de Janeiro), com pouco mais de 4.000 habitantes, é mais do que centenária e hoje faz a cidade respirar música. O que começou um dia, provavelmente por conta de alguns jovens apaixonados que queriam declarar seu amor a incautas donzelas, tornou-se uma tradição que movimenta toda a cidade, une gerações e, ainda por cima, é o principal motor da economia do distrito. Por onde se anda só se veem referências à música, seja nos nomes dos estabelecimentos, seja no artesanato no qual volta e meia se representa um violão ou uma clave de sol ou, naturalmente, pelas músicas que se ouvem por toda cidade. Dependendo da escolha da pousada, a seresta começa logo cedo no café da manhã, em que um músico da cidade faz ao vivo um excelente fundo musical e conta um pouco da história da cidade e sua ligação com a música. E a partir daí será música até a madrugada, quando termina a tradicional serenata aberta.

Conservatória abriga o Museu da Seresta, um interessante espaço cultural que reúne um acervo impressionante de partituras de músicas. E é lá que começa a música nas noites de sexta-feira e sábado, na forma de um sarau no qual músicos locais cantam e acompanham quem se aventurar a soltar a voz, seja morador ou turista. O site da cidade (www.conservatoria.com.br/) deixa bem claro que o espaço é democrático: “está aberto a todos os que cultuam a música popular brasileira, não importando se profissional ou amador, voz bonita ou não”. Porém, ao ver os ótimos cantores que por lá passam, não é qualquer um que cria coragem. Por volta das onze da noite os músicos se dirigem à praça onde começa a serenata aberta, que reúne turistas e os músicos da cidade cantando belas músicas românticas e clássicos da seresta como “A noite do meu bem” ou “Carinhoso”. Intercalam ainda declamações de poesia enquanto se percorrem as ruas da cidade. No domingo ainda se pode curtir pela manhã um chorinho de primeira linha na praça principal da cidade. E a música ainda está presente nas portas das casas. Em um projeto chamado “Em toda casa uma canção”, moradores colocam placas de metal com o nome e autor de uma música de sua predileção. Hoje já são mais de 400 placas – sem poder repetir músicas – e os autores campeões da preferência são Cândido das Neves, autor de canções como “Rasguei o teu retrato” e “Noite cheia de estrelas”, com Roberto Carlos no segundo lugar.

O mais impressionante – e reconfortante – é poder ver que a seresta une gerações em Conservatória, tanto do lado dos músicos que tocam e cantam, quanto no público que acompanha o espetáculo e empresta voz ao coro. É muito bom saber que músicas belas e ricas ainda emocionam não só os saudosistas, mas até adolescentes, como eu pude testemunhar. Some-se às atrações musicais uma região cheia de história, que ainda preserva algumas belas fazendas dos tempos de glória do café no final do Império e que são ótimas pedidas para passear de dia enquanto se aguarda a noite e a serenata. Está pronta a receita para um final de semana de viagem no tempo e na música.

 



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