A influência de Resende Costa e de Portugal na arte de Zélia Mendonça


Perfil

José Venâncio de Resende0

A artista e sua obra num processo de criação incansável (fotos cedidas pela entrevistada)

A artista plástica são-joanense Zélia Mendonça passou parte da sua infância em Resende Costa e em Coronel Xavier Chaves. “Papai e mamãe sempre passeavam com os filhos, e um de seus lugares favoritos era a Chácara Santa Filomena - a casa do “Zezé da Pia”, nosso primo-, e que hoje é repartida em várias lojas do artesanato de tear em Resende Costa. Lembro-me bem de um armazém que era de um amigo de papai – o ‘Armazém do Orestes’ – onde adorávamos comprar doces e brincar com seus filhos.” Ela se refere ao “Bar do Orestes”, que existia na antiga Rua Gervásio Pereira (atual Avenida dos Artesanatos), antes de surgir o asfalto.

Zélia é filha de Jorge Mendonça e de Rosália Maria Pinto de Mendonça e ocupa a sexta posição entre os 10 filhos do casal. “Ester, minha irmã, casou-se com o ‘Tenta do Zé Padeiro’ e passamos a visitar a cidade com mais frequência, passando lá férias, feriados, fins de semana. Resende Costa tem uma grande representatividade em minha vida. Passeando por meu trabalho, consigo ver toda minha infância, adolescência e princípio de carreira nesta cidade.”

Zélia estudou Psicologia na antiga Faculdade Dom Bosco, dos padres salesianos, entre 1977 e 1980. “Como gosto de mudanças em minha vida, fiz alguns períodos de Filosofia, Turismo e Artes Visuais. Sou inquieta e tenho dificuldades de estar por muito tempo em um mesmo lugar. Fui empresária por uma vida. Hoje me dedico às Artes Plásticas.”

Uma de suas preocupações é a sustentabilidade e a diversidade, daí porque trabalha com sucatas, fuxicos, crochês, bordados e outros “que compõem a assemblage (termo de origem francesa que significa montagem) que faço. Preservar a natureza, defender as mulheres e as minorias são prioridades em meu trabalho. Gosto de fazer oficinas com crianças e mulheres”.

 

Fruto de antiquário

Criada dentro de um antiquário (móveis antigos, esculturas, relógios, joias e tudo o que seus pais achassem interessante), desde muito nova Zélia foi colecionando e produzindo arte naturalmente. “Dessa forma, acabei desenvolvendo um critério próprio que se materializaria em peças. Quase como uma metamorfose, como se esperasse um longo tempo em casulo para neste momento da minha vida eclodir.”

Desde os anos 1990, Zélia já desenhava móveis para suas lojas em São João del-Rei e, posteriormente, Tiradentes. “Como nossas lojas vendiam antiguidades, móveis exclusivos produzidos por nós, obras de arte, objetos de decoração, esculturas em pedra e madeira, abrimos três lojas em São Paulo e, mais adiante, outra loja no Soho em New York.” E, assim, a artista deixava-se “levar pela intuição, sempre procurando trazer para o exterior meus sentimentos e ideias, libertando, através dos objetos, significados e provocando novas possibilidades de interpretação”.

Foi nesse curto período, conta Zélia, “que assumi por completo o ofício, participei de algumas exposições individuais e de várias coletivas no Brasil, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Áustria, Itália, Inglaterra e França. Penso ser pelo fato de minhas obras possuírem um elemento discursivo que facilita o diálogo com outras experiências”.

Zélia gosta muito de usar fuxicos, contas, linhas e sucatas. “Vejo cada objeto como restos de vários lugares. Para mim, cada fuxico, cada conta, cada peça de brinco perdido são representações de pessoas e suas histórias. Juntando-os, procuro uma forma de alteridade. Quero despertar a emoção dos indivíduos através do todo e do particular, em que o primeiro se realiza pelo olhar menos localizado e o segundo surpreende em rearranjos de badulaques coloridos.”

Além da ideia de reciclagem ligada à de ressignificação e representação, seu trabalho também é memorialístico. “Procuro na minha infância individual elementos universais que toquem e irmanam as pessoas; levar para o mundo a experiência que vivi com as mulheres da minha família de Resende Costa, Coronel Xavier Chaves e São João del Rei. Um trabalho doméstico que sustentava a casa, ao mesmo tempo em que provocava íntimas transformações individuais no processo laboral.”

Foi nesse contexto que, em 2015, Zélia Mendonça estreou na histórica Tiradentes, bem pertinho de São João del-Rei. “Dessa exposição, vieram vários convites e editais, incentivo de que a minha alegria criativa precisava para ir além. E fui mesmo, sempre atrás de meus sonhos.”

 

Paixão por Portugal

Entre os sonhos, estava um pequeno país da Península Ibérica, situado num cantinho da Europa e voltado para o Oceano Atlântico. Zélia considera-se “uma apaixonada por Portugal”. “Minha primeira viagem para essa terra maravilhosa foi em 1990. Demorei um longo tempo para voltar: foi em 2016”, quando “fiz minha primeira residência artística na Fundação Bienal de Cerveira. De lá para cá, tenho ido todos os anos”.

Zélia participa de várias bienais, entre elas a Bienal de Cerveira, a Bienal de Gaia e a Bienal de Espinho, no norte de Portugal. “Minhas obras estão em alguns museus e em algumas galerias de lá. Sempre que caminho por Portugal, sinto uma conexão tão grande, como se estivesse em minha terra.”

“Acredito que todos os lugares em que vivemos passam a fazer parte de nossas vidas, trazendo grandes influências em nossas memórias e, consequentemente em nossos trabalhos”, conclui a artista plástica são-joanense.

Ah, sim, Zélia Mendonça é mãe de três: Daniela, Lucas e Sarah; e avó de seis: Júlia, Francisco, Léo, Maria, João e Clara.

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