Bordados feitos por líder da “Revolta da Chibata”, na 34ª Bienal de São Paulo

São duas toalhinhas bordadas na prisão pelo marinheiro João Cândido, pertencentes ao acervo do Museu Municipal Thomé Portes del-Rei, de São João del-Rei.


Cultura

José Venâncio de Resende0

Bordado "Amôr" (fotos: Rogério Ramos).

Antônio Manuel de Sousa Guerra, vulgo Nequinha, era praça do 51º Batalhão de Caçadores de São João del-Rei, quando o batalhão foi chamado, em 1910, ao Rio de Janeiro, para auxiliar no policiamento da cidade e encarregar-se da guarda dos presos envolvidos com a Revolta dos Marinheiros, então encarcerados na Ilha das Cobras. Entre os presos, encontrava-se o marinheiro João Cândido, que liderou a rebelião contra o uso da chibata (castigos corporais) e outros maus tratos praticados pela Marinha brasileira.

Conhecido como o Almirante Negro, o gaúcho João Cândido Felisberto nasceu em Encruzilhada do Sul (24/06/1880) e faleceu no Rio de Janeiro (06/12/1969). Entre o Natal de 1910 e o ano de 1912, ficou encarcerado na Ilha das Cobras. No começo dos anos 1970, foi imortalizado pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc com a canção “O Mestre-sala dos Mares”, a história do Almirante Negro e da Revolta da Chibata, vetada pela censura por trazer à tona um assunto proibido pelas Forças Armadas.

O são-joanense Nequinha Guerra confidenciou ao escritor José Murilo de Carvalho (“Os bordados de João Cândido, José Antônio de Ávila Sacramento) que fez amizade com João Cândido e até levada jornais, às escondidas, para ele ler na prisão. Também contou ao imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) que estranhava ver o grandalhão e temido marinheiro passar grande parte do tempo bordando.

Foi naquela ocasião que Nequinha Guerra ganhou de João Cândido as duas toalhinhas bordadas, uma com o tema O adeus do marujo; e a outra, Amôr (sic). Esses “toscos” bordados foram doados para o acervo do Museu Municipal Thomé Portes del-Rei.  Tombados pelo patrimônio municipal, bens culturais que muitos desconhecem foram cedidos para serem expostos na 34ª Bienal de São Paulo. O evento acontecerá entre 4 de setembro e 5 de dezembro com o tema “Faz escuro mas eu canto”.

Os bordados

O bordado O adeus do Marujo, numa das toalhinhas de rosto, traz na parte de cima, do lado esquerdo, as letras JCF, as iniciais de João Cândido Felisberto. Centralizado, em cima, está o título e à direita a palavra “Ordem”. No meio da toalha, duas mãos bordadas cumprimentam-se sobre uma âncora e dois ramos que parecem ser de café e tabaco. Uma das mangas é branca e tem no pulso botões e galões de almirante; a outra é de simples marinheiro. Abaixo da âncora, o nome F. D. Martins, uma possível referência a Francisco Dias Martins, colega de João Cândido e comandante rebelde do navio Bahia, tido como um dos cérebros da “Revolta da Chibata”. Embaixo, do lado esquerdo, a palavra ‘Liberdade’; do lado direito a data “XXII de novembro de MCMX”, o “dia D” da revolta.

A segunda peça - Amor - é também do tamanho de uma toalha de rosto. O bordado está na horizontal. No alto, duas pombas seguram, pelo bico, uma faixa que traz a inscrição “Amôr” (sic). Abaixo,um coração atravessado por uma espada, de onde jorram gotas de sangue. Dos lados do coração, flores, algumas borboletas e um beija-flor.

Ao que comenta José Antônio de Ávila: “Os bordados revelam que o negro grandalhão, filho de escravos, acusado de primitivo, inculto e grosseiro, pode também apresentar uma outra face: a de amante e sensível. Os trabalhos manuais seriam como uma espécie de autoterapia instintiva para fugir dos fantasmas que o perseguiam e pela angústia gerada com a situação de preso incomunicável. O conegaço (marinheiro experiente que se impunha aos mais novos e subalternos, sobretudo aos grumetes, pela autoridade da experiência e pela força dos músculos) certamente encontrou nos bordados uma forma de extravasar seus sentimentos, daí as duas humildes toalhinhas possuírem um valor único como documentos reveladores do lado humano do marinheiro. Será que o coração de João Cândido sangrava por alguém? Ou será que os bordados são a sugestão de um possível amor de marujo?”

Sobre a exposição

Os bordados ficarão expostos em local de destaque na 34ª Bienal de São Paulo, provavelmente na entrada principal do pavilhão.

Ainda sobre o tema da Bienal - “Faz escuro mas eu canto” -, este reconhece a urgência dos problemas que desafiam a vida no mundo atual, enquanto reivindica a necessidade da arte como um campo de resistência, ruptura e transformação.

Com informações de Marília A. Cunha Martins, da Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Turismo de São João del-Rei

 

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