Calçada portuguesa, em Lisboa (Portugal) e em São João del-Rei


Cidades

José Venâncio 1

Calçada portuguesa em Lisboa: obras às margens do Tejo.

Quem caminha pelo centro de São João del-Rei depara-se com vários espaços (passeios e praças) cobertos com a famosa calçada portuguesa. Mas com certeza nem de longe repetem a qualidade e a riqueza de motivos das calçadas portuguesas em Lisboa e no interior de Portugal.

A calçada portuguesa foi implantada em São João del-Rei na primeira gestão do prefeito Nivaldo Andrade (1993-1996). Segundo fontes da prefeitura, as pedrinhas foram trazidas do município mineiro de Luminárias, a pouco mais de 100 quilômetros de São João. A obra teria sido realizada por várias pequenas empreiteiras.

Algumas calçadas trazem nomes de empresas e entidades. Isto pode ter contribuído para uma certa diferenciação na qualidade dos serviços, de acordo com o maior ou menor interesse manifestado por parte da empresa beneficiada.

Passados cerca de 20 anos, o que resta na maior parte dos espaços ocupados pelas calçadas portuguesas são passeios com pisos irregulares, espaços vazios entre as pedrinhas mal colocadas, buracos causados por pedrinhas soltas e remendos com massa de cimento. Entre as principais reclamações, estão torções no pé, dificuldade de uso de saltos por parte das mulheres e de cadeiras de roda por parte de pessoas com deficiência, além do incômodo da presença de poças d´água em dias de chuva.

Muitos são-joanenses reclamam da calçada portuguesa, mas o problema está na qualidade do serviço realizado. Segundo a arquiteta Branca Gameiro Neves, da Câmara Municipal de Lisboa, muitas cidades do Brasil tem calçadas portuguesas e padrões próprios. Mas nem sempre a execução segue as técnicas tradicionais. “Em São Paulo, por exemplo, existem calçadas bem executadas.” Uma das deficiências no Brasil é a falta de mão-de-obra especializada, que poderia ser suprida com cursos de formação de calceteiros.

Em Portugal, este tipo de calçada está com a cotação em alta. No canteiro de obras em que Lisboa se transformou em 2016 (mais espaço para pedestres, passeios mais confortáveis, mais ciclovias, mais áreas verdes, maior segurança rodoviária, mais estacionamentos etc.) e deve continuar este ano, sempre há espaços para a implantação da calçada portuguesa.

Além disso, uma petição online para elevar a calçada portuguesa a patrimônio imaterial da humanidade já conseguiu cerca de sete mil assinaturas, mais do que o suficiente para tramitar na Assembleia da República de Portugal. A iniciativa foi do calceteiro Fernando Pereira Correia* que lançou a petição no início de outubro, depois ter apresentado a proposta ao parlamento, numa audiência na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Selo de qualidade

Para Branca Neves, depois de legislar sobre o assunto a Assembleia da República deve encaminhar a petição à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A intenção desta iniciativa é valorizar a calçada portuguesa e estimular a reciclagem e a formação de novos calceteiros. “A classificação como patrimônio da humanidade chamaria a atenção para a importância da calçada portuguesa e das suas técnicas de execução. Permitiria preservar o que existe e, quando houver intervenção, ser no sentido de aperfeiçoar a sua forma de execução e de inovar com novos padrões.”

A classificação funcionaria como um selo de qualidade que, além de valorizar a calçada portuguesa, ajudaria a obter financiamento e apoio de fundos europeus, acrescenta Branca. Uma decisão favorável nesse sentido viria num momento mais que oportuno, já que Lisboa foi escolhida como a capital ibero-americana da cultura em 2017.

Branca Neves interessou-se pela calçada portuguesa quando, há cerca de 12 anos, trabalhou para a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa, fundada no início dos anos 1970 para formar profissionais nesta arte. A arquiteta já elaborou um livro sobre a calçada portuguesa em Lisboa (2013), que pretende lançar para o público, e desenvolve o projeto “Portugal Tires”, que reúne diversos produtos da calçada portuguesa em azulejo. Seu objetivo é produzir motivos de calçadas artísticas fotografadas em azulejos pintados a mão.

Para Branca Neves, os pequenos cubos em calcário preto e branco (e muito raramente em pedra rosa) permitem a criação de desenhos de uma enorme originalidade e beleza. “Os seus motivos e padrões e as diferentes técnicas de assentamento transcenderam a sua primeira função utilitária, passando a ter uma fantástica componente decorativa que pode ser considerada uma arte única e diferente.”

“Muitos destes fantásticos ´tapetes de pedra´ que tão distraidamente pisamos são resultado de um apurado trabalho de precisão feito por diversas gerações de mestres calceteiros”, assinala a arquiteta. “Nas novas áreas de expansão urbana, a calçada artística experimentou, pela mão de alguns artistas contemporâneos, novos desenhos e novas temáticas (…) que vieram juntar-se aos padrões existentes espalhados pela cidade consolidada.”

Embora o trabalho seja em geral anônimo, salienta Branca Neves, “muitas vezes conseguimos ver a ´assinatura´ do calceteiro, que consiste na colocação de uma pedra de cor ou forma diferenciada para deixar seu cunho pessoal, sempre igual em todos os seus trabalhos, e que poderá consistir numa flor, numa estrela ou num qualquer pormenor que, com um pouco de atenção e paciência, poderemos descobrir, quantas vezes imperceptível, nalguns pavimentos.”
Entre os tipos de calcetamento, destacam-se o “puxado ao quadrado”, o “ a malhete”, o “sextavado” e o empedrado ou “calçada à portuguesa”.

Um pouco da história

A calçada portuguesa ou calçada artística, com as características e aspecto com que a conhecemos atualmente, começou a ser executada e aplicada em Lisboa em meados do século XIX, de acordo com Branca Neves. Mais concretamente, foi em 1842 por iniciativa do tenente-coronel Eusébio Cândido Cordeiro Furtado, então Governador de Armas do Castelo de São Jorge, que tinha sob a sua responsabilidade os prisioneiros (também conhecidos como grilhetas).

A preocupação do tenente-coronel Furtado era não só pavimentar a parada do Batalhão de Caçadores nº 5, mas também encontrar uma ocupação para estes homens acorrentados. Foi o que o levou a requerer à Câmara Municipal de Lisboa (equivalente a prefeitura) alguns calceteiros para que ensinassem os grilhetas a arte de calcetar. E nisso foi pioneiro ao defender o trabalho como regenerador do ato criminoso, observa Branca Neves.

Assim, foi pavimentada a entrada (e os espaços internos) do Castelo São Jorge, cujo impacto decorativo teve enorme repercussão, relata Branca Neves. “Havia ´romarias´ ao castelo para ver o trabalho e o seu efeito”, o que levou a municipalidade a adotar a ideia de pavimentar a praça do Rossio, com a criação do motivo “Mar Largo” – padrão ondulado em preto e branco, alusivo ao período áureo dos descobrimentos marítimos portugueses.

Este “tapete de pedra” foi executado de 1846 a 1848 – assinala Branca Neves - e, “desde então, o revestimento bicromático de pedras de calcário e basalto foi adaptado em inúmeros lugares (praças, ruas, largos, etc.) com variadas composições e motivos, muitos dos quais ainda permanecem até hoje, resultado de um apurado trabalho de precisão feito por diversas gerações de mestres calceteiros”.

Após o êxito desta intervenção, procedeu-se à pavimentação de largos, praças, passeios e escadarias da capital portuguesa, relata Branca Neves. “Para além dos motivos românticos, próprios da época, afirmam-se os valores nacionalistas e da construção da identidade nacional, utilizando-se padrões e elementos decorativos tipicamente portugueses relacionados com actividades socioeconômicas – peixes, frutos, cereais, animais, com o artesanato e com o período dos descobrimentos marítimos onde as caravelas, sereias, cordas, conchas, ondas do mar, estrelas, esferas armilares e um sem número de outros motivos tomam lugar nos pavimentos de Lisboa.”

Segundo a arquiteta, as técnicas de calcetamento aperfeiçoaram-se progressivamente na primeira metade do século XX por mestres calceteiros exímios na perfeita execução da calçada. Estavam “empenhados em cumprir com os imaginativos e estilizados desenhos criados pelos artífices dos serviços municipais ou pelos artistas nacionais consagrados a quem a edilidade fazia encomendas”.

O apogeu da arte de calcetar foi em 1927 quando a Câmara Municipal de Lisboa criou o quadro dos calceteiros-artistas, no total de 400 artífices. Mas em 1979 já eram bem menos de 30 profissionais e, atualmente, nos quadros da autarquia existem apenas 16 calceteiros que tem a denominação de “assistentes operacionais”, lamenta Branca Neves.

Ao longo do século passado, a calçada artística propagou-se pelo resto do país, embelezando praças e ruas de cidades e vilas. E também ganhou projeção internacional ao receber prêmios, distinções e convites de vários países, inclusive do Brasil, para exposições e embelezamentos de passeios e parques.
Do estrangeiro, continuam a chegar convites para efetuar calcetamentos, “o que significa que esta arte portuguesa continua a ser apreciada e valorizada fora do nosso contexto nacional”, diz Branca Neves. “Um dos exemplos mais bonitos encontra-se no Central Park em Nova Yorque, no tributo a Jonh Lennon em que a palavra Imagine ocupa o centro de uma rosácea em calçada artística.”

*http://fernandocorreia.com/

 

Comentários

  • Author

    e pena que a calçada portuguesas esteja com meses contados pois e um trabalho lindo trabalhoso e durador quando tem manutençao adequada e eu fiz esse trabalho 22 anos na camara municipal de lisboa meu nome e jose reis dos santos dei aulas praticas de calçada na quinta conde de arcos nos olivais por fim fui encarregado dos calceteiros da camara de lisboa e com muita pena que me falarao que a calçada em lisboa esta murrendo acabando Um abraço


Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário