Em Lisboa, uma visita à exposição "Rapture" do artista e ativista chinês Ai Weiwei

Em destaque, marcas de tanques chineses na repressão da Praça da Paz Celestial de Pequim e o rolo de papel higiênico em mármore para ilustrar escassez nas crises como a da pandemia de covid-19.


Cultura

José Venâncio de Resende0

As bicicletas do artista Ai Weiwei na entrada da Cordoaria Nacional, em Lisboa.

Questões contemporâneas que preocupam o artista e ativista chinês Ai Weiwei estão presentes na exposição “Rapture”, que acontece na Cordoaria Nacional em Lisboa até final de novembro. O nome parte das várias leituras da palavra “rapture”, ou seja, momento transcendente entre as dimensões terrena e espiritual; sequestro dos direitos e liberdades de cada um; e ligação entre o entusiasmo sensorial e o êxtase, de acordo com os organizadores da mostra. “Para Ai Weiwei, Rapture é um pouco de todas essas ideias tomando forma numa exposição inédita que propõe apresentar as duas dimensões criativas de um artista ícone dos nossos tempos: realidade e fantasia.”

A exposição reúne os trabalhos mais icônicos do artista e novas obras criadas em Portugal nas vertentes espiritual e a ligada à realidade, de acordo com o curador, o brasileiro Marcello Dantas. Ai Weiwei, que atualmente reside em Portugal, foi eleito o artista mais popular do mundo em 2020 pelo The Art Newspaper, sendo reconhecido pelo seu forte engajamento político e por conectar a arte com questões sociais e de direitos humanos.

Numa visita ao local da exposição, pode-se apreciar trabalhos que retratam a supressão da liberdade de expressão e dos direitos civis, o drama dos refugiados e questões relacionadas com o meio ambiente. De outro lado, o artista busca “resgatar tradições” e aplicá-las à arte contemporânea, tanto “técnicas ancestrais perdidas” (na definição do curador da mostra) quanto técnicas tradicionais portuguesas (trabalho com cortiça, azulejo, tecidos e pedra). 

Presentes trabalhos históricos como a “Snake Ceiling” (serpente formada por centenas de mochilas de crianças, em homenagem aos estudantes mortos no terremoto de Sichuan em 2008) e o “Ciclo da Vida” com uma série de esculturas (12 cabeças de animais do zodíaco chinês que adornavam uma fonte do jardim Yuanming, nos arredores de Pequim, durante a dinastia Qing). Este ultimo, complementado com obras em bambu, fio de sisal e seda, recorrendo às técnicas de construção de papagaios de papel da época da dinastia Ming (1368-1644) - inspiradas em criaturas mitológicas que representavam a imaginação das pessoas e a linguagem para comunicar ideias maiores do que a sua própria compreensão. A reinterpretação da linguagem dos papagaios de papel está ainda presente no barco do zodíaco, esculpido em grande escala (as cabeças das figuras humanas são dos 12 animais do zodíaco) em bambu e fio de sisal. 

O tema “refugiados” está presente em trabalhos mais recentes, como a “Lei da Viagem” (Prototipo B) – barco insuflável de 16 metros de comprimento com figuras humanas que representam centenas de refugiados arriscando a vida no mar em busca de segurança e oportunidades na Europa. Ou o “Porcelain Pillar with Refugee Motif”, que retrata seis temas da experiência dos refugiados (guerra, ruínas, viagem, cruzar o mar, campos de refugiados e manifestações) refletindo os seus vários traumas. Ou ainda a “Odisseia” em papel de parede, retratando a tendência global de deslocações forçadas com diferentes histórias de conflitos regionais e religiosos, pressões econômicas e crises ambientais que contribuem para o que se chama “crise dos refugiados”. 

Neste tempo de crise política no Brasil e em outras partes do mundo, é

Muito oportuno, em tempo de crise política no Brasil e em outras partes do mundo, é espreitar o tapete de lã, confeccionado na China, com a impressão de marcas deixadas pelos tanques de guerra do exército vermelho (em sistema de “lagartas”), usados para reprimir os protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial (Tiananmen Square), em Pequim. 

Das obras produzidas em Portugal, o painel “Odyssey Tiles” é uma recriação a partir da peça de mesmo nome (2016) pelo artista em conjunto com a Viúva Lamego (1849), usando as técnicas tradicionais de pintura e produção do azulejo português com os artesãos da fábrica. Esta narrativa tem início nos primitivos movimentos humanos, em que a linguagem visual é diretamente inspirada nas ilustrações encontradas em antigas esculturas, cerâmica e pinturas de parede gregas e egípcias, bem como nos conflitos contemporâneos (com imagens das redes sociais e da Internet). 

Destaque ainda para o “Pendant (Toilet Paper)”, escultura de mármore em forma de rolo de papel higiênico ampliado. O papel higiênico é um símbolo de crises como a pandêmica, que levam as populações à incerteza e ao pânico, promovendo corrida aos supermercados por produtos básicos, contribuindo para aumentar a escassez e mostrando quão frágil é o nosso “progresso civilizado”.

O artista

Ai Weiwei é um artista plástico, designer arquitetônico, pintor e ativista social chinês. Foi assessor artístico na construção do Ninho de Pássaro (Estádio Nacional de Pequim) onde foram realizados os Jogos Olímpicos Pequim em 2008. Também foi autor do documentário Coronation, filmado numa cidade de Wuhan durante o confinamento da pandemia do novo coronavírus. 

Na América Latina, Ai Weiwei realizou exposições artísticas marcantes, com foco nos refugiados internacionais e na sua origem chinesa, na Argentina, no Chile e no Brasil. No caso brasileiro, a exposição “Raiz: Ai Weiwei” ocorreu na cidade de São Paulo (Oca do Parque Ibirapuera),  em Belo Horizonte (Centro Cultural Banco do Brasil) e no Rio de Janeiro.

Como ativista político, foi preso mais de uma vez pelas autoridades chinesas e teve seus estúdios em Xangai e em Pequim, respectivamente, destruído e confiscado, segundo o Wikipedia.  

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