Fernando de Souza, barbeiro e artista

Ingressou no teatro popular pelas mãos de Luiz Bonifácio, do Grupo Teatral Senhor dos Montes (GRUTSEM), e já fez papeis de Cristo e de Pilatos várias vezes, entre outros.


Perfil

José Venâncio de Resende0

 

Quem entra na Barbearia N. S. Aparecida, no Largo do Carmo em São João del-Rei, vai ver muito mais do que uma simples cadeira de barbeiro. Ali se encontram pinturas, cartazes de filmes, maquetes e figurinos para teatro. Além de barbeiro, Fernando de Souza é um artista.

Fernando considera-se “barbeiro à moda antiga, mas que acompanha a evolução”. Tanto que a maior parte dos seus clientes tem idades variando entre 25 e 50 anos.

Ator amador, iniciou a arte de representar na escola de teatro popular de Luiz Bonifácio, no bairro Senhor dos Montes. Autor de histórias populares, já escreveu três contos sobre Catifunda (o nome é inspirado na personagem dos programas A Praça é Nossa, Escolinha do Professor Raimundo e Balança mais não cai), dos quais dois já viraram filmes (disponíveis no You Tube).

Nas horas vagas, Fernando produz maquetes de igrejas, casarões, pontes históricas e coreto; pinta quadros de cenários são-joanenses e confecciona figurinos para teatro de rua, principalmente encenações religiosas da Semana Santa.

Infância

Nascido em 13 de janeiro de 1955 no tradicional bairro do Tijuco em São João del-Rei, Fernando tem raiz nas lajes resende-costenses. Ele é filho de Onelina Peluzi de Souza – das famílias Peluzi e Melo – e do são-joanense Evandro de Souza.

Ainda criança, foi morar em Limeira de Muriaé, perto de Juiz de Fora. “Meu avô era amigo de Tancredo Neves e conseguiu que meu pai fosse nomeado para trabalhar nos Correios desse lugarejo. Alguns meses depois, ele foi transferido para Tiradentes e, em seguida, para São João del-Rei.”

Até os 13 anos, Fernando cursou o antigo primário, mas abandonou o curso faltando apenas dois meses para a sua conclusão. “Mesmo assim, a professora dona Carmita me aceitou para estudar a admissão, mas tive de parar por causa da mudança de minha família para Governador Valadares.”

Copas do mundo

Era a Copa do Mundo de 1970, mais precisamente dia do jogo entre Brasil e Inglaterra, quando a família – Fernando, os pais e os irmãos Carlos Antônio e José Antônio - viajou de mudança para Governador Valadares. “Meu pai foi transferido para lá. Eu fiquei com raiva porque não consegui ver o jogo, mas tinha um cara do meu lado no ônibus com um radinho de pilha, e assim eu consegui ouvir o jogo.”

No final do mesmo ano, o pai de Fernando conseguiu uma transferência para Lafaiete. “Lá ficamos até início de 1972 quando, então, voltamos para São João del-Rei.”

Nesse meio tempo, o Departamento de Correios e Telégrafos foi transformado em empresa, o que obrigou os funcionários a escolherem entre continuar como funcionário federal ou se transferirem para a nova empresa. O pai de Fernando optou por se aposentar.

Aos 16 anos, Fernando retomou os estudos e concluiu o quarto ano primário na Escola Municipal Doutor Kleber Vasques Filgueiras. “Em seguida, fiz a primeira fase do projeto Minerva (programa de educação de adultos criado pelo governo federal), que correspondia ao primário, na expectativa de fazer a segunda fase que equivalia ao ginário. Mas o projeto Minerva foi suspenso.”

Nesta altura, Fernando já estava com 17 anos. “Época de namorar, de jogar sinuca etc. Até que veio o período do Exército. Alistei em 1973 com mais de 18 anos e ingressei no quartel em 1974, ano da Copa do Mundo quando o Brasil perdeu para a Laranja Mecânica, a Holanda. A princípio, eu queria engajar, mas acabei dando baixa porque reduziram o efetivo do batalhão.”

Ferrovia do Aço

O primeiro emprego de Fernando foi como apontador de campo da empreiteira Veloso Camargo, que participava da construção da Ferrovia do Aço. “Comecei a trabalhar em janeiro de 1975. O canteiro de obras da Veloso Camargo era em Coronel Xavier Chaves.”

Fernando foi ainda apontador na Construtora Alcindo Vieira Convap (final de 1975), que trabalhava na construção de túnel e terraplanagem da Ferrovia do Aço; e na Cetenco (1976), firma que instalava cabos de linha de transmissão em Lafaiete. “Quando casei, em 1976, eu estava desempregado. Aí fui trabalhar na Cetenco. Depois de uns oito meses a empresa terminou o serviço e dispensou a gente.”

Em 1977, foi contratado como auxiliar de almoxarifado na CBPO e na Contel – Construtora M. Teixeira, empresas que atuavam na obra da Açominas em Ouro Branco. No intervalo entre uma firma e outra, voltou a São João del-Rei e trabalhou por pouco tempo na Fiação e Tecelagem João Lombardi.

Nesta época, Fernando e a esposa Maria das Graças de Souza mudaram para o bairro do Senhor dos Montes. “A gente morava na Praça Dr. Salatiel. Depois que casei, morei um ano com os meus pais, até que em maio de 1977 fui morar com o meu sogro no Senhor dos Montes.”

Garçon

Entre 1978 e 1982, Fernando virou garçon em São João del-Rei, tendo trabalhado nos restaurantes Canecão, Umuarama e Minho. “Em setembro de 1981, o ponto do Umuarama, na antiga rua Rui Barbosa (atual Avenida Tancredo Neves) foi vendido para o Canindé, que montou a loja de confecções São Francisco. Trabalhei lá como balconista até o fim do ano e, em março de 1982, voltei a ser garçon, mas era mais um garçon-administrador.”

A partir de março de 1984, Fernando juntou-se ao sogro no serviço de garimpeiro. “Eu entrava dentro de beta no Senhor dos Montes para retirar cascalho à procura de ouro. Nunca tive muita sorte. Meu sogro e meus cunhados tinham mais sorte do que eu.”

Tanto que, a partir de março de 1985, Fernando tornou-se vendedor, inicialmente no supermercado Sanjoanense e, depois, na Bemoreira e na Loja 104 (tecidos e artigos de cama, mesa, banho), esta última de José Egídio Carvalho e seu irmão. “Na Bemoreira, eu era vendedor de móveis e eletrodomésticos, e só saí de lá em abril de 1988 quando a loja fechou as portas.”

Fernando também foi auxiliar de escritório e motorista na Serraria do Senhor dos Montes. “Em janeiro de 1993, fui trabalhar na Ferbom, que vendia ferragem para serralheria. Era praticamente um gerente.”

Candidato

Nas eleições municipais de 1992, Fernando foi candidato a vereador pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), mas não conseguiu eleger-se. “Foram quase 500 candidatos. Não me elegi mas tive uma votação razoável.”

Também foi candidato a vereador pelo Partido da Reconstrução Nacional-PRN (1996) e pelo Democratas (2008). “Fui candidato por estar envolvido em diversas atividades do bairro e da cidade. E por acreditar que teria mais condições de continuar ajudando.”

Entre 2008 e 2012, Fernando trabalhou na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura, cuidando do programa Bolsa Família. E, a partir de 2012, tornou-se assessor do vereador Igor Sandim. “Trabalho na parte da manhã na Câmara Municipal. À tarde, fico na barbearia.”

Barbeiro

A vida de Fernando mudou quando a esposa perdeu o emprego na Companhia de Tecidos Santanense, que encerrou suas atividades em São João del-Rei. “Dava para vivermos com o salário dela e o meu. Quando ela ficou desempregada, o meu salário já não era suficiente. Então, eu pedi aumento na empresa, mas eles não quiseram aumentar meu salário.”

Por sugestão de um amigo, Fernando resolveu trabalhar de barbeiro, já que costumava cortar cabelo de parentes, amigos e colegas de trabalho. “Meu filho tinha quatro anos quando eu comecei a cortar o cabelo dele. Aí passei a cortar cabelo do meu pai, de cunhado, sogro, amigos e colegas. No início, não cobrava nada; com o tempo, passei a cobrar. Foi então que o Álvaro, meu amigo, me instigou a montar uma barbearia.”

Em julho de 1993, Fernando abriu a barbearia na frente da igreja do Carmo, perto do barracão da Prefeitura. “Na parte da manhã, eu tomava conta da serralheria do Álvaro e à tarde trabalhava na barbearia.”

No início de 1995, Fernando mudou o salão para a Praça Carlos Gomes, também conhecida como Largo do Carmo. “Aí deixei de trabalhar na serralheria do Álvaro. Com o Plano Real, comecei a ganhar tanto dinheiro que não precisava mais do outro serviço. Com o fim daquela inflação doida, cheguei a ganhar dez salários mínimos.”

Documentário

Fernando foi um dos personagens do documentário “Cadeira de barbeiro é um confessionário”, lançado em março de 2014 por Mariana Fernandes, então recém formada em Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). “Na minha barbearia, sempre tem alguém falando de algum assunto: carnaval, futebol, política, religião, enfim, assuntos da atualidade.”

Por isso, considera-se um privilegiado. “Isto é bom porque a gente fica bem informado. Eu sou formado na dificuldade, em vez da faculdade. Mas não sinto dificuldades maiores em função do conhecimento que os outros vão me passando.”

Comunidade

Em 1984, no bairro Senhor dos Montes, Fernando começou a se envolver com carnaval (Escola de Samba Bate Paus) e futebol (Cruzeiro do Senhor dos Montes). “Depois, me chamaram para ajudar na igreja. Passei a fazer parte da Mesa Administrativa da igreja e fui convidado a participar da Conferência do Senhor dos Montes.”

A partir daí, Fernando não parou mais de acumular cargos e atividades nas áreas cultural, artística e religiosa do bairro e da cidade. Foi presidente da Conferência do Senhor dos Montes, do Cruzeiro e da Bate Paus; secretário da Associação de Bairros; tesoureiro da Mesa Administrativa da igreja; tesoureiro e vice-presidente da Associação das Escolas de Samba Blocos e Ranchos (AESBRA).

Teatro

Em 1995, Fernando ingressou na escola de teatro popular de Luiz Bonifácio, o Grupo Teatral Senhor dos Montes (GRUTSEM). “O Luiz Bonifácio foi quem me incentivou a me envolver com o teatro. Com ele fiz papeis de Cristo e de Pilatos, entre outros. A gente se apresentava no Teatro Municipal e nas cidades vizinhas.”

Em 1997, na encenação “Uma certa sexta-feira”, realizada na quinta-feira santa na escadaria da igreja das Mercês, o escritor e diretor de teatro Jota Dangelo queria o Toninho Ávila para fazer o papel de Cristo, conta Fernando. “Aí o Ávila não aceitou e ele acabou optando por mim.”

Entre 1998 e início dos anos 2000, Fernando participou do grupo de teatro N. S. da Saúde, no Senhor dos Montes, dirigido casal Ivani e Juarez. “Com eles, eu fiz as peças Ressurreição, Sermão da Montanha, Santa Ceia, Nascimento do Menino Jesus e a Vida de São Vicente de Paula.

Há cerca de 10 anos, começou a participar da encenação da Paixão de Cristo na Via Sacra do Calvário da Ladeira, entre a igreja do Carmo e o Senhor dos Montes. Em 2011, Fernando representou Pilatos. “Lembro que entrou um bêbado na cena e foi filmado pelo João Paulo Guimarães. O vídeo no You Tube foi o maior sucesso: chegou a ter mais de 500 mil acessos só com o nome ´Invadindo a cena no Teatro de Rua´.” O vídeo ganhou outros nomes como “Bêbado não quer que crucifiquem Jesus”, “Jesus e o bêbado” e “Comédia na Paixão de Cristo”.

Quando o bairro Senhor dos Montes foi elevado a paróquia, o padre queria fazer a Semana Santa mas não tinha a imagem do Cristo no descendimento da cruz. Então, convidou Fernando para este papel. “Na primeira vez que eu fiz o papel do Cristo, o padre não parava de falar e eu tinha que falar ali imóvel, como morto. Na segunda vez, eu falei pra ele: ´O senhor podia me ajudar. O senhor manda descer a coroa; depois, manda descer o braço direito; depois, o braço esquerdo; e manda descer da cruz. Aí o senhor pode continuar com o sermão o tempo que o senhor quiser´. Então, o padre respondeu: ´Está bem, senhor padre Fernando´.”

A parceria com Luiz Bonifácio durou até sua morte há cerca de dois anos. “Ainda fizemos ´A escolhinha do professor Bonifácio´ e ´A praça da alegria´, dirigidas por ele. Quem também esteve sempre comigo no teatro e nos filmes foi o Flávio da Costa, um grande companheiro.”

Além disso, Fernando participou, a convite de Jota Dangelo, de peças teatrais sobre o Aleijadinho, no Largo do Carmo, e sobre Tiradentes, na praça pública da cidade de mesmo nome.

Fernando trabalhou ainda com Inácio Bassi, já falecido, na peça teatral “O potro selvagem”. “Ele foi uma pessoa que me ajudou muito a melhorar na interpretação, principalmente em questões como postura e postação de voz.”

Quatro histórias

Depois da experiência como ator, Fernando decidiu escrever histórias. A primeira recebeu o nome de “O mestre Jaburu”. “Depois, escrevi ´O velório da Catifunda´ (2012), ´Os herdeiros de Catifunda´ (2013) e ´Os milagres da Catifunda´. As duas primeiras histórias foram transformadas em filmes, apresentados no Inverno Cultural de São João del-Rei. E pretendemos filmar, ainda este ano, Os milagres da Catifunda.”

Fernando só conseguiu fazer os filmes porque foram produções baratas. “Os dois filmes da Catifunda custaram em torno de dois mil reais cada um. Consegui patrocínio de lojas e a filmagem foi feita pelo João Paulo Guimarães, que também participou da direção.”

LINKS RELACIONADOS:

- Cadeira de Barbeiro é um Confessionário (Direção: Mariana Fernandes) - https://www.youtube.com/watch?v=_i-qHbHlAKQ

- Invadindo a cena no Teatro de Rua - https://www.youtube.com/watch?v=FmXsvX49KHI

- O velório da Catifunda - https://www.youtube.com/watch?v=_GgRVRVtEnM

- Os herdeiros da Catifunda - https://www.youtube.com/watch?v=L0OrCRfRAHI

 

 

 

 

 

 

 

 

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