Igreja São Francisco, do Porto, tem 400 a 600 kg de ouro mineiro


Cultura

José Venâncio de Resende0

Fachada da Igreja de São Francisco, do Porto (Fonte: Feel Porto)

As cidades do Porto (Portugal) e de São João del-Rei têm algo em comum: igrejas de São Francisco de Assis. Também o ouro que reveste as duas igrejas tem a mesma fonte: as jazidas de Minas Gerais. Estima-se que a igreja de São Francisco do Porto tenha entre 400 e 600 kg de ouro trazidos do Brasil.

É difícil precisar a quantidade exata do metal. A igreja do Porto já ostentou a talha toda dourada, mas hoje algumas partes já não mais possuem ouro. Danificações causadas, aqui e ali, pelo tempo e a consequente retirada de ouro por questão de estética podem ter reduzido a quantidade estimada.

Nos séculos XV e XVI, algumas famílias nobres da cidade, como os Sás, os Brandões, os Sousas e os Carneiros, elegeram esta igreja para seu “Panteão”. Por conta disso, o templo foi sofrendo alterações no decorrer do tempo. “Nos séculos XVII e XVIII, foi todo ele revestido de talha dourada, expressão de uma riqueza decorativa muito marcada na cidade, ocultando assim a sua estrutura inicial. E, nesta altura, foi certamente ampliado o coro alto.”*

A igreja de São Francisco, sucessivamente enriquecida, é considerada um dos mais ricos e belos repositórios de talha dourada de Portugal. “O que mais surpreende é a riqueza barroca dos revestimentos a talha, trabalhados desde o século XVII a meados do século XVIII, a demonstrar o trabalho excepcional dos entalhadores portuenses.”

Esta exuberância levou o conde polaco Athanasius Raczynski (1788-1874) - diplomata, ministro do rei da Prússia na corte portuguesa, erudito, apaixonado pelas artes, autor de uma História da Arte Moderna na Alemanha e dono de uma coleção de arte com cerca de 190 obras - a descrevê-la como a “igreja de oiro”. E, deslumbrado, acrescentar: “A talha desta igreja é de uma riqueza e de uma beleza que ultrapassa tudo quanto vi em Portugal e em todo o mundo.”

Famílias

No pavimento com o eixo da capela-mor, existem sete túmulos, dos quais quatro com brasão e dois identificados (um de S. Luís Brandam P.ra de Lacerda e herd(eiros) e outro de S. Luís Brandão P.ra (herd)eiros). O sétimo é irreconhecível.

A capela-mor pertenceu aos Sás Meneses, Condes de Matosinhos. Nela está sepultado o “afamado Sá das Galés”.

A capela dos Reis Magos foi dos Brandões Pereiras. “Numa edícula aberta por um portal renascença, de gosto flamengo, estão dois túmulos sobrepostos. O que assenta no pavimento tem na face uma inscrição gótica e o segundo é de Fernão Brandão.” Este Fernão e seu irmão Diogo Brandão, contador da Fazenda do Porto, foram poetas e os seus versos encontram-se no Cancioneiro Geral de Garcia de Rezende.

À entrada, um outro túmulo, menor, de 1501, tem escrito na tampa: “Aqui jaz Joham Brandam fidalgo da casa del-rei e seu contador desta cidade faleceo no ano de MDI”. O “brazão esquartelado ostenta os crescentes dos Pintos e dos Brandões”.

Das três sepulturas abertas no chão, a inscrição de uma delas é ilegível. Nas outras duas, está escrito: “S. d. (e) Diogo Brandam P.ra Capelão que foi da princesa dona Joana de Austria filha do emperador Carlos mai dei-rei Sebastião. 1754” e “Aqui jaz Briatis Pereira molher da Joham Brandam e seu filho Dioguo Brandam MDXXV”.

No transepto no topo da direita, abre-se a Capela dos Carneiros, fundada por João Carneiro, Mestre Escola da Sé de Braga. É obra do arquiteto Diogo de Castilho, concluída em 1500, de acordo com a placa na parede.

No “cemitério catacumbal” da igreja, foram sepultados todos os benfeitores da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco do Porto (VOTSFP), no período de 1749 a 1866. A partir daí, os enterramentos foram cessados neste local, atendendo a Lei da Saúde (26 de Novembro de 1845). A parte mais antiga do cemitério possui um altar barroco e ornamentação em talha dourada.

Origem

Apesar de não terem vida fácil em Portugal, os franciscanos começaram em 1245 as obras do convento no Porto, depois de muita resistência e intolerância do Bispo e do Cabido. Tanto que, em 1233, o Papa Gregório IX recomendava que não os “estorvassem” na fundação de um convento nesta cidade. “O clero secular e os religiosos dos outros Institutos não aceitavam os franciscanos, chegando mesmo a hostilizá-los e persegui-los.”

Em estilo gótico, o mosteiro foi reconstruído em 1383 e só terminado em 1410. Sofreu ainda outra reconstrução só concluída em 1425. “Esta foi talvez a reforma mais importante pelo eventual patrocínio de D. João I aos padres franciscanos.”

Em 1833, no final do Cerco do Porto (quando as tropas liberais de D. Pedro IV, o mesmo D. Pedro I do Brasil, foram sitiadas pelas forças fiéis ao irmão D. Miguel), um incêndio provocado por tiroteio destruiu o antigo claustro e parte da igreja, principalmente o portal, que foi substituído pelo que hoje existe, de estilo barroco. Derrotado na guerra civil, D. Miguel foi exilado para a Áustria e os franciscanos, que tomaram partido dele, foram expulsos. D. Pedro IV ordenou que a administração da igreja fosse transferida à Ordem Terceira e as ruínas do convento passassem à Associação Comercial do Porto.

 

* “Igreja Monumento de S. Francisco - Roteiro”. Venerável Ordem Terceira de S. Francisco do Porto.

 

 

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário