Igrejas evangélicas em Portugal, aos 500 anos da Reforma Protestante


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José Venâncio de Resende0

Primeira Igreja Batista, do ramo das consideradas tradicionais.

Já se passaram 500 anos desde que Martinho Lutero, monge agostiniano e teólogo, tornou públicas, a 31 de outubro de 1517, as teses que deram início ao movimento denominado Reforma Protestante”, um cisma da Igreja Católica que transformou a Europa. Apoiado por vários religiosos e governantes, provocou uma revolução que começou na Alemanha e se estendeu por vários países do norte europeu. A divisão da Igreja ocidental entre católicos romanos e protestantes deu origem a um dos principais ramos do cristianismo.*

Muita água passou por debaixo da ponte nestes cinco séculos. Os protestantes ganharam o mundo, em especial as Américas, dividiram-se em vários ramos e denominações. Este movimento cristão, também conhecido como evangélico, tem várias subdivisões. De acordo com o Wikipedia, as igrejas evangélicas costumam ser divididas em tradicionais (Luterana, Presbiteriana, Calvinista, Batista e Metodista), pentecostais (Assembleia de Deus e seus vários ministérios, por exemplo), neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça). Há outras denominações como Mórmons, Adventistas, Testemunhas de Jeová, Anabatistas, Amish e Restauracionistas.

Portugal

O movimento continua a atrair adeptos, inclusive no mundo mais desenvolvido. Em Portugal, país tradicionalmente católico, a influência dos cristãos evangélicos tem oscilado ao longo do tempo. Levantamento da Aliança Evangélica Portuguesa (AEP)** mostra que, apesar de terem sido inaugurados 322 novos templos, o número de igrejas evangélicas em Portugal despencou de 1630, no ano 2000, para 964 em 2016.

Os evangélicos do país experimentaram um crescimento grande nas décadas de 1980 e 1990, com a chegada de fiéis vindos das antigas colônias, segundo o pastor António Calaim, presidente da AEP. Muitos imigrantes de Cabo Verde e do Brasil já vinham “convertidos”.

“Muitas dessas igrejas eram pequenos espaços, algumas delas em garagens, por vezes formadas por um imigrante que chegava e queria ter aqui um culto semelhante ao que já conhecia. Eles começam a reunir um grupo de pessoas e já abrem uma igreja. Muitas ficam abertas por dois ou três anos e depois fecham”, explica Calaim.

A redução de igrejas iniciada a partir de 2000 deve-se, principalmente, a decisão de muitos imigrantes deixarem Portugal, de acordo com a AEP que reúne a maioria das comunidades evangélicas portuguesas. Outro fator a ser levado em conta é o “forte movimento de secularização que a sociedade portuguesa vive nas últimas décadas.”

Para a AEP, a maioria das igrejas que ainda estão abertas tem um grupo de fiéis reduzido, com menos de 50 pessoas por culto. Além disso, os evangélicos participam pouco das atividades. Estima-se que haja mais de 150 mil evangélicos, mas menos de um terço participa regularmente dos cultos nos templos.

Outro aspecto citado pela Aliança é que a maior parte das novas igrejas é resultado de fusões de grupos menores. As cidades de Lisboa, Porto e Setúbal concentram a maioria das comunidades evangélicas portuguesas.

Expansão

Em 2008, quando chegou a Portugal, o capixaba Ezio Ferreira começou a promover cultos na própria casa, na Reboleira, bairro de Amadora na grande Lisboa. Um dia, sua esposa Elisabete conheceu uma brasileira na padaria próxima e a convidou para participar do culto. A partir deste dia, outras pessoas foram convidadas e o grupo cresceu. “Chegamos a congregar 18 pessoas na sala de casa”, lembra.

O local apertado e reclamações dos vizinhos levaram pastor Ezio a alugar um espaço, no mesmo bairro. Assim, começaria a Igreja Pentecostal da Graça Adonai, que seria oficialmente registrada em 2009. No novo endereço, “chegamos a congregar 38 pessoas, para um espaço que comportava 25 cadeiras”.

A saída foi buscar um novo local, na própria cidade de Amadora. “Viemos para (Santa Cruz) Damaia onde ficamos dois anos e meio no mesmo endereço”, conta o pastor. “O espaço (35 a 40 cadeiras) ficou pequeno e mudamos de novo (para endereço próximo). Ali ficamos cerca de três anos, com a igreja (em torno de 70 cadeiras) sempre cheia.”

Um depósito fechado de vinho, em Santa Cruz Damaia, Amadora, seria o novo destino da igreja, relata o pastor Ezio. “Entramos com a proposta de compra – ainda estamos pagando as prestações - e mudamos para cá em meados de 2014.”

A igreja ocupa área de 380 m2, espaço utilizado por cerca de 90 membros (batizados e assíduos nos cultos) e entre 35 e 40 congregados (aparecem aos domingos e nas festividades). Do total de 130 pessoas, cerca de 75 são brasileiros e os demais divididos entre portugueses e africanos.

Pastor Ezio considera que o espaço ficou pequeno, considerando as atividades desenvolvidas durante a semana: curso básico de Teologia, escola de estudos bíblicos (frequentada por cerca de 60 alunos) e cultos. Tanto que a igreja está adquirindo um espaço anexo de igual tamanho.

Além disso, a igreja desenvolve atividades externas pois “em meio à crise as pessoas ficaram mais sensíveis ao evangelho”, argumenta o pastor. Depois do culto das terças-feiras, por exemplo, um grupo do departamento de missões sai às ruas para evangelizar. “Encontramos pessoas de outros países que vieram tentar a vida, encontramos advogados, escritores, atores, prostitutas e pessoas que tiveram casamentos destruídos por causa do álcool e da droga. Em 2016, tivemos 89 almas que professaram a fé em Cristo. Esse ano, o nosso objetivo é ganhar 100 almas.”

Além de Amadora, a Adonai tem uma congregação em Porto de Mós, a 130 km de Lisboa, cujo pastor é brasileiro e conta com 14 membros, todos portugueses.

Jovens de Maringá

Há 13 anos, um grupo de jovens de Maringá (Paraná) chegou a Lisboa, mas acabou por esfriar na fé e levar vida errante. Preocupada, a mãe de um desses jovens embarcou para Portugal a fim de verificar o que estava acontecendo com o grupo.

Esta mãe começou a promover reuniões em casa com o filho e seus amigos. Com o crescimento do grupo, ela alugou um espaço no bairro Intendente, considerado na época uma espécie de “boca do lixo”. Ela agia como uma missionária e logo sentiu a necessidade da presença de um pastor.

A seu pedido, a Igreja Batista Renovadora de Maringá fez uma proposta e um desafio ao pastor Rogério Rocha, bacharel em teologia pelo Cesumar (Centro de Ensino Superior de Maringá). “Eu viria para Portugal, mas a Igreja não podia me oferecer nada. Eu tinha 25 anos na época.”

Em Lisboa, o pastor Rogério ficou hospedado na casa desta mãe. “No mesmo dia, fui para a igreja fazer uma reunião. Foi um choque ver homens seminus a poucos metros da igreja a injetar drogas.”

Em 16 de agosto de 2006, Rogério tomou posse do trabalho e assumiu como pastor titular de uma igreja com 30 membros. “Aí começaram os desafios como adaptação cultural, clima, língua e principalmente preconceito: `Volta pra tua terra, brasileiro`. Hoje, a situação está bem melhor.”

No Intendente, foram quatro anos de muita luta, conta o pastor Rogério. “Percebemos que quem estava fora não estava interessado no nosso trabalho, na nossa ajuda. Então decidimos mudar.”

Em 2010, a IBR instalou-se em novo endereço no bairro do Areeiro, “para ajudar pessoas que tivessem interesse”, diz o pastor. O espaço é ocupado com 190 cadeiras, com possibilidade de até 300 cadeiras, que é o número atual de membros. “Hoje, é uma igreja multicultural que reúne brasileiros, portugueses, angolanos, moçambicanos, romenos, espanhois e muitos turistas como alemães e ingleses. Até fazemos tradução em direto”.

As atividades semanais variam de cultos a escolas de canto e instrumentos, passando por aulas de teologia abertas a qualquer pessoa. No trabalho externo, “distribuímos alimentos e roupas para famílias em condições difíceis. Estamos nos organizando para começar o ´dia da beleza´, que é oferecer corte de cabelo em praça pública. Além disso, temos um programa de TV em vários canais que caracteriza um trabalho missionário no país inteiro”. Sem falar de visitas a casas sempre que solicitado e presença nas redes sociais.

Quando o pastor Rogério começou o trabalho, vinha gente de 50 a 80 km de distância. Na atualidade, a IBR está presente em Algés (150 membros), Cascais (50 a 70 membros), Queluz (cerca de 50 pessoas) e Esmoriz, próximo ao Porto (30 pessoas). Este ano, inaugurou outra igreja na Charneca da Caparica com cerca de 20 membros (duas famílias brasileiras e duas portuguesas).

“Semear vidas”

Em Portugal desde junho de 2004, o casal Luciano e Marizete Silva inicialmente participava do Ministério Missão em Cascais, da Assembleia de Deus, dirigido pelo pastor Francisco Silva. Luciano exercia cargos de liderança, tendo sido consagrado ao diaconato em 2006. Assim, poderia até dirigir uma igreja, sem ser pastor, além de a representar e de pregar. “Só não podia celebrar cerimônias como batismo e casamento.”

Em 2008, Luciano desligou-se desta igreja e se “aliançou” com a Assembleia de Deus Bethel de Vitória (ES). Em fevereiro, foi consagrado presbítero, que nesta igreja também tinha poderes pastorais, e em junho recebeu a consagração pastoral. “A partir daí, comecei a igreja no lar, como uma célula, e em três meses alugamos um local para 40 pessoas, no Arroios.” Surgiu assim a Igreja Assembleia de Deus “Semear Vidas”.

O número de frequentadores cresceu (para cerca de 70 pessoas) e o espaço ficou pequeno, o que levou pastor Luciano a mudar a sede, em junho de 2009, para um local mais amplo, no mesmo bairro de Arroios. Atualmente, a igreja tem cerca de 150 membros. “De lá pra cá, já passaram pela igreja umas mil pessoas. Cerca de 500 pessoas voltaram para o Brasil, 200 foram para outros países e por volta de 150 foram para outras igrejas.”

As atividades semanais da igreja abrangem cultos, estudos bíblicos, formação de obreiros, trabalhos de oração, visitas a lares e hospitais, trabalhos de evangelismo, celebrações (batismos, casamentos, funerais etc.) e eventos (aniversários, jantares de confraternização etc.).

A primeira afiliada da Semear Vidas é a Congregação de Cacém, aberta em 15 de março deste ano (data de aniversário da Igreja), que já reúne 40 membros.

Coerência

O paulista Vanderlei de Moraes Oliveira frequenta há cerca de sete anos a Assembleia de Deus Ministro Rocha Eterna, no bairro de Arroios, região habitada por muitos imigrantes brasileiros. Ele já foi membro da Primeira Igreja Batista, em São José dos Campos (SP) e em Valência (Espanha).

Vanderlei escolheu a Rocha Eterna, dirigida pelo pastor Eliezer Domingues, por considerar que a Igreja é “bastante fiel à Bíblia” e, sobretudo, porque “seus líderes são coerentes, vivem o que pregam, dão o exemplo”. Participar da Igreja, diz, é “importante porque fortalece a minha vida espiritual, a fé em Cristo, o que me ajuda muito, faz a minha vida mais tranquila”.

Segundo Vanderlei, que é cabeleireiro de homens (barbeiro, no Brasil), cerca de 45 pessoas participam das atividades da Igreja, que abrangem cultos de doutrina, de oração e vespertino, escola dominical e evangelismo. A maioria dos membros são imigrantes brasileiros, além de africanos e portugueses.

A sede da Rocha Eterna fica em Catujal, na cidade de Loures, onde reúne mais de 250 pessoas, segundo Vanderlei. A Igreja tem afiliadas em 14 cidades portuguesas, inclusive o Porto, além de Brasil vários outros países.

A mineira Cesilha Rocha participa, desde o início deste ano, da Igreja Pentecostal da Graça Adonai, em Santa Cruz Damaia. Em Contagem (MG), desde criança ela frequentava junto com a mãe igrejas evangélicas, em especial a Igreja Pentecostal Sublime.

No período de adolescência, Cesilha deixou de ir, ou ia raramente, à igreja. Até que decidiu voltar “porque não tem fugir à verdade, que a gente já conhecia”.

Quando chegou a Portugal em fevereiro de 2016, Cesilha ingressou na Igreja Batista Fonte da Vida, perto da casa de sua tia na cidade de Seixal, região de Setúbal. Ao se mudar para Santa Cruz Damaia, na Amadora, ela procurou uma igreja mais perto de casa. Foi quando conheceu a Adonai, dirigida pelo pastor Ezio.

Para Cesilha, a igreja é uma forma de ouvir a palavra de Deus “de verdade”. Além disso, ela participa de atividades da igreja, como o “curso de missão” que frequentou durante cinco meses. Também estuda na escola bíblica que ela considera uma forma de se “aprofundar” no ensinamento de Deus.

Na Igreja, Cesilha conheceu Rodolfo com quem se casou em outubro passado.

Referência

Para além de opções conscientes como as de Vanderlei e Cesilha, a maior parte das pessoas é levada a procurar igreja por uma espécie de “vazio” nas suas vidas, não preenchido por dinheiro e coisas materiais, e por questões familiares (conflitos entre casais e de pais com filhos, problemas financeiros etc.), na avaliação do pastor Ezio, da Adonai.

A Igreja acaba por se tornar uma referência para as pessoas, principalmente imigrantes que estão longe da família, diz o pastor Luciano, da Semear Vidas. “A nossa ideologia é ser um referencial de família para os nossos membros.”

Pastor Luciano destaca “uma falta de identidade” em muitos imigrantes, o que significa “dificuldades de relacionamento e de se encontrar espiritualmente. Na maioria dos casos, são pessoas mal resolvidas em casa, no meio social, no trabalho. Então, são desajustes muito grandes, pessoas que acabam carregando a frustração com elas.”

Isto explicaria, por exemplo, a “rotatividade” na procura por uma igreja, acentua o pastor. “Só em 2017 cerca de 300 pessoas visitaram a Igreja duas ou três vezes, e ainda estão sem igreja para congregar. Se essas pessoas estivessem bem resolvidas, a frequência à igreja seria muito maior.”

Por outro lado, o núcleo familiar muitas vezes tem um papel importante no surgimento de uma nova comunidade evangélica, diz o pastor Rogério, da IBR. Geralmente, uma nova igreja começa com reunião numa casa de família. “Alguém de longe pede ajuda. Então, eu aviso: se estiver um grupo de parentes, amigos, colegas de trabalho, eu vou ou mando alguém. Aí começam as reuniões.”

*Fonte: Wikipedia

**CPADNews: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/38744/numero-de-igrejas-em-portugal-despenca-com-saida-de-brasileiros.html

 

 

 

 

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