Marcha fúnebre


Entrevistas

André Eustáquio2

fotoEdésio Lara

“Chorava-se a perda de uma pessoa querida com uma composição musical” (Edésio Lara).

Marchas fúnebres: tradição musical na Semana Santa da microrregião de São João del-Rei, MG, (1870 – 1965)”, é o tema da tese de doutorado defendida pelo professor Edésio de Lara Melo no dia 29 de julho último na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH, UFMG). Participaram da banca avaliativa os professores Antônio Carlos Guimarães, do curso de música da UFSJ, César Maia Buscacio (UFOP) e Ana Cláudia Assis (FAFICH, UFMG), ambos pianistas e doutores em História, José Newton Coelho Meneses,  coordenador do programa da pós-graduação em História da (FAFICH, UFMG), além  de Adalgisa Arantes Campos, a orientadora. Nesta entrevista, o professor Edésio fala da abrangência da sua pesquisa no campo da musicologia e também da importância de se preservar as bandas de música - importante meio artístico/cultural para preservação e divulgação deste gênero musical abundante no repertório da região das Vertentes.

O resende-costense Edésio de Lara Melo é maestro e professor do curso de música da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Assinou por longo tempo a coluna “Tô de Olho”, do Jornal das Lajes.

 

A marcha fúnebre é tema da sua tese de doutorado. O que o motivou a estudar de modo mais profundo esse gênero musical tão presente em nossa região? Tive contato direto com o gênero quando comecei a tocar na Banda de Música Santa Cecília de Resende Costa, dirigida pelo estimado professor Geraldo Sebastião Chaves, por volta de 1968. Desde aquela época, encantado com as belas marchas que tocávamos, me perguntava sobre alguns nomes que constavam em nossas partituras: Antônio de Pádua Falcão, João Evangelista Bernardes (João Mariafra), João Francisco da Matta, entre outros. No doutorado, então, ao desenvolver minha pesquisa tendo como base a microrregião de São João del-Rei, formada por quinze municípios, esses e outros tantos compositores, inclusive de Resende Costa, aparecem como os responsáveis pela criação das músicas que os moradores da região estão habituados a ouvir. 

 

Fale um pouco sobre o desenvolvimento do seu trabalho referente à trajetória da marcha fúnebre na história da música. Dividi meu trabalho em duas partes. Na primeira, procurei tratar do tema da morte e das primeiras manifestações fúnebres em música. Busquei, nas antigas lamentações fúnebres, os primórdios desta música que, antigamente era cantada e, às vezes, acompanhada de instrumentos. A música nasceu então da necessidade que tiveram os músicos na Idade Média de prestar homenagem a pessoas falecidas: patronos e mestres, principalmente. Como as informações sobre a marcha fúnebre, tanto em dicionários quanto em livros de história são ínfimas, cuidei de traçar o que chamei de “o caminho da marcha”. A música instrumental fúnebre se consolidou durante o período Barroco quando compositores, principalmente franceses, iniciaram o costume de dedicar aos seus professores músicos uma obra lamentosa. Chorava-se a perda de uma pessoa querida com uma composição musical. Esta prática se estendeu a outros países europeus até que, em fins do século 17, surgiram as primeiras peças tocadas por instrumentos de sopro e percussão destinados aos funerais de pessoas ilustres das principais cortes europeias. Mas foi a partir da Revolução Francesa que a marcha fúnebre, tocada por bandas de música, foi alçada à condição de acompanhar enterros de pessoas dignas das mais altas honrarias. Imediatamente, ela foi trazida ao Brasil por militares que vieram a serviço da corte portuguesa em 1808. Seu uso nas procissões da Semana Santa aconteceu depois, durante o século 19.  Na segunda parte do texto me dedico exclusivamente à microrregião de São João del-Rei. Foi preciso visitar arquivos, acompanhar procissões em diversas cidades e entrevistar pessoas para descrever como a fundação de bandas de música, a circulação de músicos e de partituras estimularam o surgimento de muitos autores que quiseram, com suas composições e repetindo o costume europeu, prestar homenagem a uma pessoa falecida ou destiná-las, especificamente, a determinadas passagens da Paixão de Cristo. Assim, desde a metade do século 19 até o fim do Concílio Vaticano II (1965) o que se viu foi uma produção significativa de marchas fúnebres compostas por músicos do local, que ainda escutamos nas procissões da Semana Santa e em alguns enterros.

 

Como o senhor avalia a importância do seu trabalho para a musicologia e para a cultura musical da região onde pesquisou? Sinto que meu trabalho traz à tona um tema até então inexplorado. A tese deixa claro as possibilidades que temos de empreender mais estudos sobre o fazer musical iniciado nessas vilas ligadas a São José del-Rei (Tiradentes) e São João del-Rei, em torno das bandas de música. Confesso que o tema causou certa estranheza em professores e colegas da pós-graduação, mais acostumados a ouvir falar de pesquisadores envolvidos com a música destinada à liturgia, isto é, a que envolve a atividade de corais e orquestras.  Até os mestres de banda mostraram-se surpresos com o meu interesse no assunto, pois, nunca haviam sido procurados para tratar desse tema. Pouco ou quase nada sabemos dos nossos compositores e de suas músicas. Por isso, quando ouço nossas bandas tocando marchas de autores europeus ao lado das escritas por músicos nascidos no interior mineiro e são praticamente desconhecidos, sinto que temos um longo trabalho pela frente. É preciso destacar estas figuras, editar suas músicas e, acima de tudo, contribuir para que o que sabemos e temos, tanto na memória quanto nos documentos, não se percam. O que mantém a marcha fúnebre em evidência é a tradição que temos de acompanhar com música alguns enterros e procissões da Semana Santa. Sem esses dois acontecimentos a marcha fúnebre, tocada pelas bandas de música, corre sério risco de cair no esquecimento.

 

Atualmente há muitos pesquisadores se dedicando ao estudo da produção musical que se deu no interior do Brasil? Desde quando Francisco Curt Lange, musicólogo alemão radicado no Uruguai, na década de 1940, revelou ao mundo uma quantidade enorme de música e músicos nascidos em Minas Gerais, a pesquisa em música em nosso país tomou novos rumos. Hoje podemos dizer que se encontra bastante avançado o conhecimento que temos do repertório, autores e práticas musicais nascidas junto com as capelas construídas pelos bandeirantes, nos anos iniciais do século 18 e que estavam praticamente adormecidas em arquivos pessoais e das centenárias orquestras ou outras corporações musicais mineiras. Porém, quando falamos de repertório exclusivo de banda de música, grupo musical que é peça fundamental em minha tese, nosso conhecimento a esse respeito é bastante precário. Escreve-se muito sobre a função social que têm esses conjuntos, mas, poucos estudos existem sobre práticas musicais, autores e repertórios que possuem esses grupos no Brasil.

 

O que falta para se ter maior divulgação e também para se recuperar o que foi produzido em séculos passados? Mais pesquisas. Devemos observar que grande parte do material musical do passado está perdida. Muitas partituras foram queimadas, jogadas fora como entulho. Outras ficaram inutilizadas devido ao uso e falta de uma cultura arquivística que fosse capaz de cuidar da produção musical de outrora. No entanto, há muito material nas mais de mil bandas existentes em Minas Gerais, sem considerar as do resto do país. É preciso considerar ainda que os compositores, indiferentes à questão da autoria, não atentaram para o fato do quão importante é a colocação do nome do autor, data e local de criação da obra. Das 169 marchas fúnebres com as quais trabalhei na tese, diversas aparecem como sendo de autor desconhecido. A pesquisa me permitiu grandes descobertas, não sendo possível detalhá-las aqui. Além das pesquisas, é preciso dizer que as condições para a difusão desta música se mantenham.

 

E o que fazer para preservar e ao mesmo tempo difundir as marchas fúnebres? Nas grandes cidades, atualmente, é quase impossível a realização de um enterro ou de procissão seguida de banda de música. Nas cidades do interior, isso ainda é possível. Tenho dito que estou bastante entusiasmado com o que tenho visto em minhas andanças durante a quaresma. Noto um interesse crescente em muitas cidades de reviverem certas cerimônias da Paixão que foram suprimidas do calendário após o Concílio Vaticano II. A música depende da sua realização, repito, para manter-se viva. Não por acaso, alguns compositores têm respondido positivamente, compondo novas músicas para esse fim.

 

 

O senhor pretende publicar em livro a sua tese de doutorado? Pretendo sim. Depois de colocá-la no banco de teses e dissertações da UFMG, quero fazer uma revisão do texto, adaptá-lo para uma publicação. A partir de 2014 pretendo levar o resultado do trabalho para congressos ou outros encontros destinados à pesquisa em história e música.

Comentários

  • Author


    Prezado Sr.Edésio de Lara Mello,
    Parabéns pela profundidade do material e da
    obra num todo!
    Com toda certeza será um sucesso! Abçs,

    Rafael dos Santos Braga


  • Author

    Caro Edésio,

    Sou bisneto de João Francisco da Matta que você citou na reportagem e gostaria de saber se há como ter acesso a algumas obras do mesmo (músicas/letras de autoria dele para ouvir).
    Desde já agradeço e parabenizo pela reportagem.
    Um abraço

    Targino Azeredo
    [email protected]


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