Obra de violinista que imita sons ambientes mineiros é mais conhecida fora do Brasil

Natural de Barbacena no Campo das Vertentes, Flausino Valle fez carreira em Belo Horizonte.


Cultura

José Venâncio de Resende0

fotoFlausino com seu arco e violino.

Pouquíssimos brasileiros já ouviram falar do compositor e violinista Flausino Valle, natural de Barbacena no Campo das Vertentes. Sua obra musical, no total de 26 prelúdios para violino solo, retrata a imitação de sons ambientes como uma porteira de fazenda, passarinhos, carro de boi e viola caipira.

Flausino dos Reis Rodrigues Valle viveu entre os anos de 1894 e 1954, sendo que aos 18 anos de idade deixou sua terra natal para estudar em Belo Horizonte. Formou-se advogado, foi violinista de orquestra de cinema mudo nos cines Odeon e Comércio, tocou em rádios e ainda foi violinista da Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte.

Apelidado por Villa-Lobos de “Paganini brasileiro” – compositor e violinista italiano que revolucionou a arte de tocar violino – Flausino deve ser mais conhecido na Europa do que no Brasil, diz o musicólogo, violinista, professor e investigador artístico Leonardo Feichas, mineiro de Itajubá e o maior especialista brasileiro no músico barbacenense.

Em Barbacena, Flausino estudou apenas quatro anos de violino com o seu tio José Augusto Campos. “É muito pouco para a formação de um violinista. Normalmente, são 10 anos pelo menos de estudo, muitos violinistas inclusive com passagem pela Europa.”

Como Flausino não foi moldado no parâmetro europeu de técnica, ele buscou representar em sua música paisagens sonoras relativas ao seu meio ambiente, observa Leonardo. “Então, a música dele é uma música descritiva ou onomatopaica.”

Em 1936, Flausino publicou o livro “Elementos do folclore musical brasileiro”. Além de advogado e violinista, foi professor de história da música e do folclore no Conservatório Mineiro de Música.

Descoberta

Flausino foi descoberto pelo renomado violinista lituano de nome Jascha Heifetz. Durante visita a Belo Horizonte, Jascha recebeu de suas mãos a obra musical “Ao pé da fogueira” – prelúdio 15 dos 26 prelúdios compostos por ele. O lituano trouxe a peça para a Europa e, a partir daí, outros grandes nomes também a executaram, conta Leonardo. “Villa-Lobos também teve a oportunidade de conhecer o Flausino.”

Esquecido, Flausino foi redescoberto em 1985 pelo violinista polonês, naturalizado brasileiro, Jerzy Milewski. Ele gravou 21 dos 26 prelúdios, “o que foi muito importante para começar a revelar Flausino”, conta Leonardo. “A partir dele (Jerzy), começaram a surgir pesquisas acadêmicas sobre Flausino, como as de Hermes Alvarenga (UFGS, 1993) e Camila Fresca (USP, 2011), entre outras. Hermes abordou o aspecto de estilo e Camila, o aspecto histórico.”

Em 2013, Leonardo Feichas sintetizou os dois autores, ao abordar os aspectos estilísticos e históricos da obra de Flausino, na dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Posteriormente, o seu trabalho foi adaptado para livro com o título “Da porteira da fazenda ao batuque mineiro: o violino brasileiro de Flausino Valle”.

O prefácio do livro de Leonardo foi escrito pelo professor britânico Jonathan Morton, violinista spalla (músico que fica à esquerda do maestro e lidera a orquestra) da London Sinfonietta e diretor artístico da Scottish Ensemble.

Contato com Flausino

Leonardo escutou o LP de Jerzy Milewski pela primeira vez em 2007, durante o curso de graduação na Unicamp. “Aí eu fiz a minha primeira pesquisa de iniciação científica sobre Flausino, sob a orientação do professor doutor Eduardo Ostergren.”

O primeiro contato com a família de Flausino aconteceu em 2009 quando Leonardo conheceu o filho do músico barbacenense, Guatemoc Valle, sua esposa Helena e seus filhos Heloisa e Yara. Desenvolveu-se uma amizade a tal ponto que a família se tornou para Leonardo uma importante fonte primária de pesquisa (as outras são manuscritos e documentos pessoais como o diario do músico). “Eu toco as peças para o filho de Flausino e tenho feed-back.”

Assim, Leonardo ganhou novo fôlego e retornou à Unicamp para aprofundar Flausino no curso de mestrado. Durante o curso, em agosto de 2012, recebeu uma bolsa de estudo para participar do “Dartington International Summer School”, no sul da Inglaterra. Na audiência do recital de Leonardo, estavam o violinista e maestro Jonathan Morton e o lendário maestro inglês Sir Neville Mariner.

Leonardo ainda foi convidado para dar um recital aos benfeitores (mecenas) do curso. “Foi a primeira vez que saí do país para tocar, e depois vieram muitas outras oportunidades.”

Tanto assim que, em janeiro de 2013, Leonardo participou do Congresso de Música Latino-Americana, na Universidade do Arizona, em Tucson. “Nesse Congresso, dei um recital-conferência sobre o Flausino Valle.”

Na academia

Em 2014, Leonardo assumiu a cadeira de violino no curso de licenciatura em música da Universidade Federal do Acre (UFAC). Foi um dos idealizadores do projeto de extensão universitária Camerata de Cordas, que coordena em parceria com a professora Letícia Porto e o professor Marcelo Brum.

Entre 2014 e 2017, Leonardo continuou a ampliar as pesquisas sobre Flausino Valle para sua tese de doutoramento, além de participar de eventos acadêmicos e publicar artigos no Brasil e no exterior.

Entre os eventos, destacan-se: Associação Brasileira de Performance Musical (ABRAPEM), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES), 2014; Simpósio Internacional de Música na Amazônia (SIMA), Porto Velho (RO), 2015; International Society of Music Education (ISME), Lima (Peru), 2015; European Society for The Cognitive Sciences of Music (ESCOM), Manchester (Inglaterra), 2015; ISME, Glasgow (Escócia), 2016; Balance – Unbalance, Universidade de Caldas, Colômbia, 2016; e SIMA, Belém (PA), 2016.

Em 2016, Leonardo lançou o livro sobre Flausino Valle, com turnê de recital em universidades e livrarias de várias capitais brasileiras.

Em 2017, participou do Simpósio de Pedagogia do Violino “Starting – Delay”, na Julliard School of Music, Manhattan, Nova York. No mesmo ano, realizou em parceria com as professoras Liu Ying e Dora Utermohl, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o “I Encontro de Cordas Flausino Valle: Performance e Ensino Coletivo”. O objetivo é “aproximar as universidades e criar espaço de aprimoramento das técnicas de ensino coletivo e aprendizagem e também de apresentações artísticas. Sempre com o foco na homenagem a Flausino”.

O II Encontro de Cordas Flausino Valle aconteceu recentemente (entre os dias 28 de julho e 4 de agosto), em Fortaleza (CE), com a presença de cinco universidades (além das duas anteriores, a Universidade de Brasília e as Federais do Rio Grande do Norte e de Pelotas). Durante o evento, foi apresentado o documentário inédito sobre Flausino Valle, produzido pelo também barbacenense Fred Furtado. Como se encontra em Portugal, Leonardo foi representado pela professora Letícia Porto, que levou consigo membros da Camerata de Cordas da UFAC.

Em Portugal

Desde o ano passado, Leonardo está cursando o doutoramento em artes musicais na Universidade Nova de Lisboa, em parceria com a Escola Superior de Música de Lisboa. “Agora, pesquiso aspectos interpretativos e obras inéditas de Flausino Valle, sob a orientação do professor britânico David Crammer, um musicólogo que se dedica ao estudo da música luso-brasileira.”

Na bagagem, Leonardo trouxe o arco de Flausino Valle, doado pela família. “No ano passado, recebi a missão de cuidar do arco e do violino que pertenceram a Flausino. Hoje em dia eu divulgo a obra do Flausino tocando no arco que pertenceu a ele.”

O objetivo de Leonardo é conseguir apoio financeiro para restaurar o violino de Flausino. “Meu sonho é fazer o recital do meu doutoramento com o violino dele.”

No dia 28 de maio deste ano, Leonardo não apenas utilizou pela primeira vez o arco de Flausino como também fez a estreia mundial da peça “Serenim” do músico barbacenense, no recital do Ciclo de Concertos da Universidade de Lisboa, em dupla com o pianista carioca Daniel Sanches. Trata-se de obra inédita que constava de “manuscrito e eu fiz a edição da peça para tocar”.

Leonardo percebe grande evolução nas suas apresentações da obra de Flausino, desde 2007. “Entre a primeira vez que toquei Flausino e a interpretação atual, mudou tudo: incorporei as sutilezas. Isto é consequência de 12 anos de pesquisas ainda em andamento.”

LINKS RELACIONADOS:

Livro de Leonardo Feichas – http://www.editoraprismas.com.br/da-porteira-da-fazenda-ao-batuque-mineiro-o-violino-brasileiro-de-flausino-valle

Suíte mineira de Flausino Valle (interpretação: Leonardo feichas) - https://www.youtube.com/watch?v=pPIsWI3FBfM&t=34s

Duo Madeira – Feichas https://soundcloud.com/duomadeirafeichas

Plataforma de artigos: https://ufac.academia.edu/leonardofeichas

Website - www.leonardofeichas.com.br

Facebook - https://www.facebook.com/leonardo.feichas

 

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