Para entender a Reforma Trabalhista


Artigo

João Bosco Pinto Lara*0

A pedido de André Eustáquio, Editor do JL, me proponho a escrever breve texto explicativo do que seja a denominada “Reforma Trabalhista” e do seu impacto na vida das pessoas, que foi recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Poder Executivo Nacional. Antes de mais, digo que prefiro denominá-la de “Modernização da Legislação Trabalhista”, pois este é, pelo menos para mim e para muitos outros que militam nessa área de estudo do Direito, e de sua aplicação prática, o seu verdadeiro significado. Também não pretendo aprofundar-me em seus aspectos técnicos e jurídicos, porque estariam fora da compreensão do leitor médio do jornal. Vou sintetizar apenas suas nuances mais gerais.

Primeiro, é preciso ter claro que ela não surge do nada, ou tão somente de uma agenda do atual governo na tentativa de legitimar-se no poder depois de um traumático, mas legitimado pela Constituição, processo de deposição de uma presidente da República. Antes, o governo de Fernando Henrique Cardoso tentou implementá-la através de duas simples propostas legislativas de flexibilização de algumas normas do trabalho e da prevalência do negociado sobre o legislado, mas sem sucesso, dada a acirrada oposição do movimento sindical e dos partidos políticos de oposição, sobretudo do PT, que a taxaram de “reforma neoliberal”. Depois, logo em 2003, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva também se propunha a fazer tais mudanças, e para tanto criou o denominado Fórum Nacional do Trabalho, que se reuniu por mais de dois anos, mas não chegou a nenhum consenso, pois dominado exatamente por aquelas forças políticas, principalmente pelo movimento sindical, que antes se opuseram às propostas encaminhadas por FHC. Seria mais ou menos como “colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”, e o que saiu deste Fórum foi uma medida que aprofundou a disfunção do sistema sindical e trabalhista brasileiro, ao destinar parte da denominada contribuição sindical compulsória para as Centrais Sindicais (CUT, CGT, Força Sindical etc.), que na verdade é um imposto que recai com mais força sobre os trabalhadores.

Daí a primeira conclusão a que se pode chegar, que é a da necessidade antiga e urgente das mudanças, pois parece óbvio a qualquer um que o Brasil não teria mais como crescer e encontrar os caminhos do desenvolvimento econômico sustentável sem atualizar as regras de contratação e regulação do trabalho, que vinham de fins da década de 30 e início da década de 40 quando da edição da famosa CLT. Àquela altura o País se constituía de uma sociedade essencialmente agrária e dava os primeiros passos rumo à industrialização, e a Ditadura Vargas, de forte inspiração fascista, não teve dúvidas em escolher um modelo de organização sindical e trabalhista da Itália Fascista, de Mussolini. E o curioso é que este modelo, que está plasmado na velha CLT, vinha sobrevivendo há décadas e resistiu aos dois grandes movimentos de redemocratização do País, das Constituições de 1946 e de 1988.

Foi no mínimo intrigante assistir às manifestações contra a “Reforma”, dentro do Congresso Nacional, vocalizadas pelos partidos que fazem oposição ao atual governo (PT, PCdoB, PSOL, Rede e parte do PSB), e nas ruas pelos autodenominados movimentos sociais (Centrais Sindicais, CUT à frente, MST, MTST e outros), o que deve ser entendido simplesmente como jogo político da oposição, mais do que natural em qualquer democracia. Mas o intrigante da história vem por conta da constatação de que qualquer cidadão que hoje tenha o mínimo de contato com a realidade, que receba um mínimo de informações sobre o que acontece ao redor do mundo, através da TV, dos celulares, da internet e das chamadas redes sociais, sabe perfeitamente da verdadeira revolução provocada pelo desenvolvimento tecnológico, e que se aprofunda cada dia mais, e que o Brasil simplesmente não poderia parar no tempo e manter uma legislação trabalhista velha, enrijecida e necrosada.

A segunda conclusão desse pequeno artigo é de que as mudanças vieram para ficar, e mais, vieram tarde! Daí a necessidade de que sejam “desmistificadas” ou desfeitas as pregações que contra elas foram empunhadas por

seus opositores, e aqui se juntam algumas corporações profissionais da área de Direito do Trabalho que vinham, ao longo dos anos, se beneficiando desse sistema envelhecido, onde se incluem juízes, procuradores e principalmente advogados. O primeiro mantra a ser desconstituído é o de que “a Reforma retira direitos dos trabalhadores”. Não é verdade, porque todos os direitos dos trabalhadores brasileiros, mas todos mesmo, estão descritos ou especificados minuciosamente no artigo 7º da Constituição da República, e nenhum deles foi retirado ou alterado. Tanto é verdade que não houve um processo de reforma ou mudança da Constituição, o que será necessário, por exemplo, para implementar a Reforma Previdenciária.

Então, por que a gritaria contra as mudanças, se elas não afetaram os direitos trabalhistas albergados na Constituição, perguntaria o leitor? Muito simples: os sindicatos estão altamente incomodados, porque elas retiram a principal fonte de seu financiamento, dos sindicatos de fachada, que apenas recebem a contribuição dos seus trabalhadores e nada fazem em seu benefício. Para se ter uma ideia do absurdo da situação, enquanto na Alemanha, por exemplo, temos cerca de duas dezenas de sindicatos, aqui no Brasil temos por volta de dezesseis mil, pasmem (!), de acordo com dados do IBGE, quase todos sugando a contribuição sindical, o valor de um dia de trabalho de cada brasileiro empregado no mês de março de cada ano. Também os partidos de oposição, sobretudo os de esquerda, gritaram contra as mudanças, porque faz parte de sua ideologia que todos continuem, sindicatos inclusive, dependurados nas costas do governo ou do Estado, que muito precisa investir em saúde, em educação e em segurança pública, além de manter os programas sociais indispensáveis às parcelas mais pobres da população. E as corporações da área do Direito do Trabalho, sobretudo os advogados, porque as mudanças buscam reduzir drasticamente a quantidade de demandas na Justiça do Trabalho, que hoje somam quase três milhões a cada ano. O Judiciário Trabalhista hoje opera uma máquina enorme, pesada e cara para a sociedade brasileira.

Agora, a última pergunta que faria o leitor: como se pretende com tudo isso as mudanças na legislação trabalhista? Muito simples! O Brasil tem cerca de cento e vinte milhões de pessoas em idade ativa, sendo que apenas 40.000.000 (quarenta milhões), sobretudo pelo grande desemprego, estão na formalidade, isto é, trabalhando com carteira assinada; já 60.000.000 vivem na informalidade, de bicos ou pequenos negócios, sem qualquer direito trabalhista e grande parte delas sem cobertura previdenciária. Por fim, os demais 20.000.000 (vinte milhões), embora em idade de trabalhar, preferem não fazê-lo por motivos diversos, por exemplo, estudando ou cuidando de casa, ou ainda por ter desistido de procurar emprego.

Com a implantação das mudanças espera-se uma profunda mudança nesse panorama, pois no Brasil, curiosamente, embora tenha os menores níveis salariais entre as 20 maiores nações do mundo, é onde a força de trabalho custa mais caro ao empregador. Com as mudanças, e sem afetar os direitos dos trabalhadores, espera-se forte redução no custo do trabalho.

*Desembargador Federal do Trabalho - TRT 3ª Região,
Professor da Faculdade de Direito da Puc/Minas de 1985/2002.

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