Língua portuguesa está despreparada para choque tecnológico digital

José Venâncio de Resende0

Os falantes e a própria língua portuguesa estão despreparados para o choque tecnológico digital, concluiu o professor Antonio Branco, da Faculdade de Ciências/Universidade de Lisboa, em palestra no “Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP”, realizado neste 5 de maio na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em Lisboa, Portugal. Ele falou durante a mesa redonda “Nossa língua, que futuro?”, coordenada pela professora Marisa Mendonça (diretora executiva do Instituto Internacional da Língua Portuguesa-IILP).

O professor Branco defendeu que a tecnologia da língua portuguesa deva ser considerada um desafio prioritário da política de ciência e tecnologia e um componente essencial da política da língua na era digital. “Precisamos de um plano de impulso das tecnologias da língua”, alerta. Ele cita o exemplo da Espanha que vai investir 89 milhões de euros nos próximos cinco anos num plano deste gênero. 

Segundo o professor Branco, há um alinhamento entre os países da CPLP e o mundo em termos de preparação tecnológica dos falantes (acessos), com respectivamente 46,4% e 50,1% de penetração da internet. Isto confere à língua portuguesa projeção global em termos de comunicação. 

Em termos demográficos, é a sexta língua no mundo (3,6% da população), atrás de chinês, castelhano, inglês, árabe e hindu. Já na internet é a quinta língua (3,9% dos utilizadores); o inglês é a primeira (26%) e o castelhano é a terceira (7,6%). No facebook, tem 7,5% das contas e, em número de sites, figura como oitava língua (2,5%); o inglês é a primeira com 54% dos sites e o castelhano, a quinta com 5%. Na wikipedia, é a 14ª língua com 2,3% dos artigos, enquanto o inglês é a primeira (12%) e o castelhano, a décima (3%). 

Na área científica, a língua inglesa obteve quase 1000 referências a línguas em artigos da área (período 2010/12), 22 vezes mais esforço de investigação do que a língua portuguesa, enquanto o alemão e o francês alcançaram quatro vezes mais do que o português; o castelhano, três vezes; o italiano, 2,5 vezes; e o holandês, duas vezes.  

Para o professor Branco, a tecnologia da língua (processamento computacional das expressões linguísticas e do seu significado) é “crucial” para comunicar com os falantes de outras línguas e para interagir com serviços e dispositivos artificiais em linguagem natural (desde robôs sofisticados até eletrodomésticos banais). 

Na preparação dos falantes, as notícias são “neutras” (quanto ao acesso e utilização das tecnologias de informação e comunicação) e “perigosamente ilusórias” (tecnologias genéricas, imeditamente adaptáveis a diferentes idiomas). Já na preparação da língua, as notícias são “más” (quanto ao atraso no desenvolvimento da tecnologia da língua portuguesa) e “verdadeiramente preocupantes” (investigação sobre o inglês, espanhol, chinês etc. não é imediatamente adaptável). 

Africanização da língua

O segundo expositor da mesa redonda foi o professor Nataniel Ngomane, presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, que analisou “empréstimos” buscados na língua bantu, em dois autores moçambicanos, e suas estratégias de inserção na língua portuguesa culta. “Há aqui uma perspectiva de inovação e enriquecimento da língua.”

Já o jornalista e escritor João Melo assinalou que a língua portuguesa vem sendo africanizada há muito tempo. “Basta olhar o que acontece no Brasil, que tem uma porção de Angola muito grande desde a escravidão.” 

Para Melo, “a língua portuguesa está em processo acelerado de nacionalização em Angola. Dentro de dez anos, a maioria dos angolanos terá o português como sua primeira língua”. Lembrou que Angola é um país multilíngue onde o português sofre influência não apenas do bantu mas crescentemente de línguas como francês e bengali.     

Acordo ortográfico

Na abertura do evento, o secretário executivo da CPLP, embaixador Murade Murargy, disse que a língua não deve ser entendida como questão de nostalgia de um passado histórico, mas deve ser dinâmica, numa referência à resistência ao acordo ortográfico em alguns países. Para ele, o acordo ortográfico vai conquistar o seu espaço. 

Já o escritor João Melo declarou-se um “ferrenho defensor do acordo, que pode ser instrumento muito importante para a difusão da língua em Angola”. Lembrou que, se a Assembléia Nacional de Angola ainda não aprovou a ratificação do acordo ortográfico, “o governo angolano ainda não se declarou contra o acordo, defendendo a avaliação de alguns aspectos”. Na sua opinião, a não aprovação tem mais a ver com o vocabulário ortográfico comum, o que cabe a cada país definir. “Neste caso, a culpa é nossa que ainda não elaboramos o nosso vocabulário comum.”

Mais informações sobre o evento poderão ser encontradas em: http://www.cplp.org/

 

 

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