A mulher do Mané Cráudio não queria, mas ele foi atrás de uma assim mesmo. A mulher não pôde esconder a raiva:
– Eu já avisei. Não vou ficar limpando sujeira desse bicho aqui dentro de casa.
A gatinha era espevitada. Espantava-se com tudo. Dava saltos rápidos, pra frente e pra trás... pulava de lado e pro alto. Mandava porrada com as patinhas em tudo o que se mexesse à sua frente. Todos caíam na gargalhada, até a mulher do Mané Cráudio. A gatinha ficava olhando séria (todos os gatos são sérios). E riram tanto dela que se esqueceram de que gata deve ter nome. A coitada ainda não tinha RG (Reconhecimento de Gato) nem CPF (Codinome Pra Felino).
Quando o Mané Cráudio chegou pela primeira vez com a bichana (ela estava numa caixa de sapato), a aparência da gata chamou a atenção: magra, comprida, patas arreganhadas e um rabão. Igualzinho salamandra. Poucos dias depois e outra coisa curiosa: a gata, correndo atrás de uma bolinha de papel, entrou na lareira acesa e saiu sem se queimar.
Pois é... em algumas civilizações acreditava-se que a salamandra podia atravessar o fogo sem sair tostada. Deve ser por isso que os operários que apagam incêndios em poços de petróleo são chamados de salamandras.
E a gata ganhou o nome de Salamandra.
Como você já sabe, amigo leitor, Mané Cráudio é o meu amigo pagador de mico. Paga mais mico do que novo-rico-emergente comprando perfume fino. Não é que o Mané Cráudio começou a pagar mico pra cima da gata?
– Raul e Júlia... que bom receber vocês em minha casa! Olhem, essa é a nossa gatinha. Ela se chama Salaminho.
– Salamandra, pai.
Uma outra vez:
– Trouxemos a gatinha pra vacinar. Ela é mansinha, não é mesmo, Sarapatel?
– Salamandra, pai.
Semana passada, essa eu vi. Mané Cráudio chamou a gata de Sacripanta. Ela jogou as orelhas pra trás, arrepiou o cangote, engrossou o rabão e fez aquele som típico de gato quando está com raiva:
– Fzzzzzzzz!
Mais tarde, vi no dicionário a palavra “sacripanta”. Dei razão para a gata.
O tempo passou e a gatinha abandonou o diminutivo. Era adulta. Acabou sumindo. Ficou uma semana fora. Até que voltou... acompanhada de um gato adulto.
– Tá pensando que aqui é motel, sua gata sem-vergonha? – era a mulher do Mané Cráudio, empunhando uma vassoura e fazendo as desonras da casa.
Por uma questão de cautela, a gata achou melhor ir embora e não voltou mais.
Salamandra sumiu de novo. Dessa vez, foi um tempão. Todo mundo já achava que Salamandra tinha virado tamborim. E eis que a danada chega, despejando na cozinha uma ala de cinco filhotinhos.
– Gata sem-vergonha! Garanto que isso é coisa daquele gato.
– Paciência, mulher! – ponderou Mané Cráudio – Essa é a nossa Samalandra.
– Salamandra, pai. Ou melhor, você está certo, pai. É Sá Malandra.
Ontem, a gatinha Sá Malandra trouxe para o mundo a sua quarta ninhada. Fui lá ver. Acariciando a sua cabecinha, falei baixinho pra ela:
– Sabe, gatinha? Sá Malandra é pouco pra você. Acho que deveria ser Sacripanta mesmo.
– Fzzzzzzzz!