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“A esta hora, exactamente, hay un niño en la calle...”

16 de Janeiro de 2018, por Rosalvo Pinto

Percorrendo as ruas de Belo Horizonte (que não é mais bela...), a cada canto vejo homens, mulheres e crianças perambulando dia e noite pelas ruas, calçadas, viadutos e por vezes pelas praças e parques. Geralmente descalços e agasalhados com imundos cobertores, ali constituem as suas casas. Informações da Prefeitura indicam que entre os 2.500.000 habitantes, 6.600 estão espalhados pelas ruas da cidade. Só no ano passado a presença de “pessoas em situação de rua” cresceu cerca de 40% em Belo Horizonte. Um horror. E leve-se em conta que estamos na região mais rica do Brasil, a região Sudeste!

Dias atrás, ao ligar a TV, dei de cara com três cantores em ação: o Chico Buarque, o Caetano Veloso e, imaginem, uma cantora considerada das mais importantes da América do Sul, nada mais, nada menos do que a Mercedes Sosa! E, para coroar, eles cantaram o “A esta hora, exactamente, hay un niño en la calle...” (A esta hora, exatamente, há um menino na rua...”).

Sou fã da Mercedes. Ela nasceu na Argentina, em San Miguel (Província de Tucumán), em 1935. Nesta década a Argentina, outrora muito rica, já começava a sua decadência na economia e na política. Na década de 60 já começam a aparecer as “Villa Miseria” (Favelas) e Mercedes, de ascendência ameríndia, assume o caminho da sua peregrinação musical direcionada para os pobres. Essa direção a levou a ganhar o nome de “La Negra”. Além de abraçar a música folclórica, ela praticou um forte ativismo político. Passou a ser a “Cantora da América Latina”. E rodou pelo mundo.

Tive o privilégio de ouvi-la, primeiramente, nos dois anos dos meus estudos teológicos, na cidade de Córdoba (1968/1969). Depois, no Brasil, em São Paulo, 1982. De passagem por São Paulo, aproveitei para ouvi-la. E fui premiado. A apresentação foi no Teatro da PUCSP (onde, no dia fatídico de 22 de setembro de 1977, o famoso Coronel Erasmo Dias, chefe da repressão militar, encurralava e massacrava os 900 alunos presentes...). Como previa, tratei de chegar bem cedo para, se possível, assentar-me na primeira fila e no centro da plateia. Veio Mercedes, nas sua simplicidade e sempre aplaudida. Terminou o show, mas a plateia não parava suas palmas. Eu já previa algo inesperado:  levava uma folha de papel e lápis. Pensei: se ela não cantar a “A esta hora...”, vou imediatamente escrever um pedido. Não deu outra: ela fez uma pausa. Um silêncio absoluto e... “A esta hora, exatamente, hay um niño en la calle...”. Naquela noite custei dormir... Finalmente, muito tempo depois, pude revê-la no Palácio das Artes de BH.

Mercedes (Haydée Mercedes Sosa) veio a falecer em Buenos Aires, em 2009. Deixou uma vasta herança musical, gravada nos belos 51 CDs.

E vamos de volta ao nosso Brasil. Ver nas ruas os niños e os adultos andando o dia inteiro e pedindo qualquer miséria para sobreviver dói-nos o coração.  E agora, com o Brasil se afundando nesse mar de desordem e de incompetência dos governos, da praga da desigualdade social, de roubalheiras de todos os cantos, o que fazer?

Para que o barco não acabe de se afundar, tornam-se necessárias várias mudanças no sistema político em todos os níveis e a promoção de dois sistemas fundamentais, o do educacional e o da saúde, sistemas que jamais funcionaram neste país. Para atingir esses objetivos, é indispensável que os incompetentes e ladrões agarrados por anos nos poderes executivo, legislativo e judiciário sejam substituídos. Só assim, depois de muitos anos, poderemos ter um Brasil sadio.

Volto-me, agora, para minha terra. Sinto-me aliviado: não me lembro, há tempos, de ouvir falar de alguém dormindo na rua. Em décadas passadas encontravam-se pessoas perambulando pelas ruas, sim, mas tinham sempre um cantinho para dormir.

Que a Santa Mercedes, a cantora dos pobres da América Latina, de onde esteja, proteja os nossos niños!   

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