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Adeus pomares & hortas!

17 de Outubro de 2014, por Rosalvo Pinto

Os pomares e as hortas domésticas de Resende Costa começaram a sumir desde meados do século passado. Naquela época, a grande maioria das casas de Resende Costa se orgulhava de ter seu pomar e sua horta. O termo “horta” abrangia pomares e hortas, e a horta propriamente dita se chamava “horta-de-couve”, fechada por causa das galinhas. Imagino que esse nome tenha sido consagrado porque a couve era, e talvez ainda seja até hoje, a rainha das hortaliças. Em outras cidades usava-se o termo quintal.

As melhores hortas eram aquelas que, além de frutas e hortaliças, abrigavam chiqueiros e galinheiros. O chiqueiro costumava ter apenas um porco ou uma porca, pois o trato era mais pesado. Mal se matava um, já se tinha um coitado leitãozinho de espera. Os galinheiros, esses sim, eram grandes, com seus poleiros sujos e um bebedouro de pedra. Curiosamente, galinhas e muitas vezes até porcos costumavam, de dia, dar seus passeios pelas ruas, onde havia espaços de terra a serem explorados tanto por umas como pelos outros. À tardinha abria-se um portão (ou um buraco) ao lado das casas e a bicharada voltava para seu pernoite. E falando nisso, lembro-me, ainda poucos anos atrás, do nosso querido amigo Davi do Ciro, que soltava suas galinhas nas lajes de cima. Mal começava a escurecer, voltavam direitinho pelo pequeno buraco donde saíram.

O Sô Góes, meu pai, era um belo exemplo do que eu mostrei acima. A horta, bastante grande, bem no centro da cidade, tinha variados tipos de frutas: bananas (prata e maçã); laranjas (campista, serra dágua - que chamávamos de “campanha” -, laranja branca, bahia – que chamávamos de “imbigudas”-, limas, mexericas (mais comuns as “candongueiras”), abacates, mangas, jabuticabas, pêssegos, marmelos, amoras, mamões, uvas, ameixas, cajá (“tomate de árvore”), fruta do conde, além de muitos pés de café.  

Na horta-de-couve dominava a própria couve, além do almeirão, alface, salsa, pepino, abóboras, morangas, abobrinhas, cebolinha, tomate, tomatinho, quiabo, ora-pro-nobis, taioba, mogango, ervilha, chuchu pelas cercas, cará-do-ar.

Ia me esquecendo: a horta do Góes tinha também sua pequena farmácia de plantas “fitoterápicas”: funcho, marcela, erva-cidreira, erva doce, losna e hortelã.

Como se não bastasse a horta-de-couve, Sô Góes todos os anos plantava sua roça, sempre como meeiro, pois nunca pôde ter um palmo de terra. De lá vinham o milho (para fubá, galinha e porco), o feijão, o arroz e os deliciosos produtos das matas: o muchoco, a samambaia, o pinhão. E de quebra, sempre vinham uma trairinha, umas cambevas, uns bagres e uns lambaris no embornal.

As hortas das casas, além dos pomares e das hortas de couve, cumpriam uma bela e saudosa finalidade: era ali que as crianças brincavam. Era maior tranquilidade para os pais, pois a rua, não tanto como hoje, era sempre um risco de qualquer coisa ruim. Brigas, más companhias, pequenos roubos nas hortas dos outros, malandragens de todo tipo. As hortas abrigavam as gangorras, os brinquedos de “casinha”, as estradinhas para os “carrinhos de 4 rodas”, os pequenos “circos” montados após a saída dos circos de verdade, as imitações da igreja e suas missas, o prazer de subir nas árvores grandes, as arapucas e o visgo para pegar passarinhos, enfim, era o paraíso da criançada.

A horta era o dodói do Góes meu pai. Ai de quem bulisse nela: iria saber que ele tinha 1,60m de altura, porém, 2m de brabeza. Colocou cacos de vidro sobre o muro de pedra que descia beirando a horta desde a avenida até onde está hoje a casa da Lôra do Miro. Havia ainda por cima as espinhentas “saborosas”. O vizinho de baixo era o Joãozinho dos Óculos, meu padrinho. Frente à porta de sua casa havia uma falha de vidros no nosso muro.

Em fins dos anos 40 rondavam por Resende Costa uns marmanjões atrevidos. Não tendo o que fazer, andavam, aprontando por todo lado. Além de avacalhar na escola, na igreja, no cinema, uma de suas estripulias era pular nas hortas dos outros e roubar frutas. Sô Góes ficou sabendo que dois desses molecões andavam roubando logo na sua horta, e, pior, atacavam o pé de laranja campanha, a preferida dele.

Certa noite, ali pelas 10 horas, quando se apagava a luz elétrica do Azevedo, armado com um galho roliço de marmelo, Sô Góes se enfiou no meio de uma grande bananeira, bem perto das laranjas. Vieram dois, um, o famoso Marcinho do Osvaldo Maia, que morava ali no Grêmio e o outro, um dos filhos do Sô José de Souza Maia, conhecido como “Zecanão”, pois era quase um anão. De repente, sai o Sô Góes da touceira de banana. Os dois correram para o buraco do muro e o primeiro conseguiu pular para fora, mas o outro ficou agarrado nele. Levou uma surra de vara de marmelo. E olha que o ramo de marmelo era, naqueles tempos, o melhor instrumento para uma boa surra, seja qual fosse o motivo. A notícia do fato se espalhou rápido. E ninguém mais ousou enfrentar a brabeza do Sô Góes.

Saudosos tempos, em que a horta, além dos alimentos, era o espaço da diversão nossa de todos os santos dias.

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