Nossa língua nos surpreende a cada dia e nos revela coisas curiosas. Mais que curiosas, coisas de uma força expressiva incrível. Basta prestar atenção nas falas das pessoas.
Um pequeno passeio pela linguagem de nossa cidade pode nos revelar algumas curiosas expressões, entre centenas de outras. São expressões que podem ocorrer também na linguagem de outras cidades, regiões ou mesmo de outros países. É claro, o ser humano está sempre em constante atividade. E cada ação do dia-a-dia, marcada por uma intencionalidade, é expressa linguisticamente de maneiras variadas, geralmente metafóricas. O gostinho especial é que, muitas vezes, são essas expressões que constroem o humor - ou a “graça” -, de muitos de nossos causos. São expressões da sabedoria popular, de uma certa ética ou moral do bom senso, ou mesmo do espírito gozador de nossa cultura.
Nesses últimos anos venho pesquisando, anotando e tentando interpretar essas expressões, conhecidas por “expressões populares”. Minha coleção já passa das duas mil. É claro que, para mim, as ouvidas e registradas em Resende Costa têm um sabor todo especial. Muitas dessas expressões têm um mesmo objetivo comunicativo, mas mostram diferenças de lugar para lugar. É o caso, por exemplo, de uma expressão que fecha com humor um causo rolado por aqui há muitos anos: “Cuia que leva pimenta, nunca mais perde o ardume”, que encontrei com outra versão parecida, bisbilhotando alguma coisa pela internet: “Cabaça que leva leite, nunca mais deixa a catinga”.
Perambulando pela cidade e pela zona rural, a gente ouve coisas curiosas. Muitas delas, parece, já em extinção. “Tinha um colosso de gente na Festa do Campo”: veja-se o uso curioso do termo “colosso”, para indicar quantidade. “Aquele churrasco foi uma beleza: comemos à riviria”, ainda há gente que fala assim. Nunca consegui saber de onde saiu esse termo “riviria”, que nem sei como deve ser escrito, se “riviria” ou “reveria”. Não tenho muita certeza, mas acho que também se usava a forma “bisuria”, ou “bizurria”, não sei.
Mas é na zona rural que a gente ouve expressões mais antigas, ainda conservadas. “Fulano falou isso, meio pros rumo(s)”. Às vezes somos surpreendidos com um convite para almoçar: “vamos quebrar o torto”? Discutem os culinaristas ou as cozinheiras: “couve boa tem que tá lumiano na gordura!” Recomenda-se que devemos ter cuidado ao falar as coisas, para não “montar num porco”. “Fulano tá sartando feito burro sem cangaia” (fulano está saltando feito burro sem cangalha), é o que se ouve dizer de alguém que, longe da mulher, noiva ou namorada, está aprontando por aí. Mas se esse alguém for uma mulher ... “tá numa galinhage (galinhagem) danada...”
De vez em quando alguém, preocupado, comenta: “acho que fulano ficou cavaqueado comigo”. Esse “cavaqueado”, que se ouve falar “cavaquiado”, finalmente eu encontrei no dicionário do Aurélio. Ouvia-se muito na Resende Costa de antigamente. Quando alguém está atormentado por algum desejo ... “eu tô qui num posso!” Muito curioso também o uso, normalmente contínuo em uma conversa, sobretudo na zona rural, do “pronto, cabo”: “Não vou dizer mais nada, pronto, cabô (“pronto, acabou”).
“Coitado do fulano, que Deus o tenha, mas que ele num era boa bisca, isso num era não”! “É, mas quando chegou a hora do pega-prá-capá, ele afinô”. Diante de uma dificuldade, coisa mais comum na vida de todo mundo (olhem só como é curioso esse “todo mundo”, no sentido de “todas as pessoas!), as línguas criam as mais variadas expressões. Enquanto o francês, por exemplo, diz: “on s’arrange comme on peut” (a gente se arruma como pode), o povo aí costuma dizer, muito mais saborosamente: “pra cada pezinho torto tem sempre uma chinelinha cambeta”. Pra tudo se dá um jeito! Não é legal? E falando em “todo mundo”, no sentido de “todas as pessoas”, é bom lembrar o “toda vida”, no sentido de marcar uma distância bem longe: “Onde fica a farmácia? – É fácil, você vai andando nessa rua toda vida e, lá na frente, vira à direita”.
A expressão lá do título ainda se ouve aí por nossas roças: “purinquanto tô remediado di muié”. Vou ficando por aqui. Ainda tenho que passar lá no fulano “pra fazê uma fezinha”. Pronto, cabô!
Ah! Por enquanto, tô remediado de muié
12 de Setembro de 2009, por Rosalvo Pinto