Parece bizarro falar em aviação em Resende Costa, uma cidade sobre uma grande laje, tendo ao seu redor apenas morros, vales e barrancos. Avião ali, só no céu, mesmo assim, olha lá, com risco de embicar e trombar na torre da Matriz. Um aeroporto? Nem sonho! Vou pegar uma carona nas aventuras aeronáuticas do Renato Morethson (edição 77). Quem leu a entrevista com ele viu lá que na década de cinquenta o prefeito Geraldo Monteiro tentou fazer um “campo de aviação” (como se dizia na época), sem sucesso. Afora isso, apenas dois fatos podem ligar a cidade à aviação: o pouso forçado de um “teco-teco-Paulistinha”, na década de 40 e as aventuras mirabolantes do Renato naqueles tempos, ambos fatos muito bem e gostosamente descritos por ele.
Não vou repetir a história do paulistinha, pois muita gente já se deliciou com ela na edição passada. Conversando com o Renato sobre esse assunto, ele me dizia, completando o que disse na entrevista, que até hoje não consegue entender como aquele piloto decolou naquele dia. Segundo o próprio piloto, era uma questão de honra, de vida ou de morte, sair dali com o avião. O terreno, além de curto, tinha obstáculos: touceiras, cupins, montes de terra de formigueiro etc. Ele pediu aos presentes ali que colocassem roupas brancas, sinalizando os obstáculos. Motor acelerado, ele saiu ziguezagueando pasto afora, contornando, aos trancos, os obstáculos. No último, o Renato pensou: agora ele fica, e até virou a cabeça para não ver o desastre. E não é que ele aprumou e subiu? Esse pouso forçado deve ter sido um acontecimento do século. Lembro-me sempre, entre as fotos de família, de uma foto desse avião pousado no meio do pasto da Fazenda das Lajes. Sinal de que meu pai esteve envolvido na história, ou, pelo menos, gostava de avião. E talvez tenha vindo daí o motivo inicial de minha paixão pela aviação.
Mas há outra ligação da cidade com a aviação. Quando eu entrei na escola (ou no Grupo, como se dizia), assumiu a turma do 1º. ano primário uma nova professora vinda de Belo Horizonte. Nem me lembro do nome de batismo dela, só me lembro de que era conhecida como Da. Tenga. Jovem, bonita e simpática, ela logo conquistou a turma e causou certo furor na escola, com interessantes inovações na arte da alfabetização. Causava até inveja nas outras turmas. Como tudo que é bom dura pouco, no meio do ano ela foi transferida para Belo Horizonte. Lembro-me da despedida, na última aula. E do aviso que ela deu: amanhã, quando passar por Resende Costa o avião da “ONTA”, vai ter uma surpresa para vocês. À noite, muitos alunos fomos até a Pensão do Osório (o casarão da atual Padaria) onde ela se hospedava. Todos os que foram voltaram com uma lembrancinha na mão. E fomos dormir na expectativa do dia seguinte. De manhã, os alunos da turma já estavam de plantão ali na Praça Dr. Costa Pinto, praça não calçada e com um pequeno barranco. Lá pelas nove da manhã, ouviu-se o ronco do avião. Excitação total, todos de olho no céu. Um barulhão e o aviãozinho passou em voo rasante. Quase roçando as rodas numa mangueira alta da horta do Sr. Totonho Gomes, soltou um objeto grande e sumiu no horizonte. E o pacotão de balas caiu numa das hortas ali do centro, para a alegria da meninada. Adeus, Da. Tenga!
Naquela época não havia ligação rodoviária entre São João del-Rei e Belo Horizonte e a ONTA, pequena empresa de aviação regional, ligava as duas cidades com um voo diário de ida e volta. Operava aeronaves monomotor com 2 tripulantes e 4 passageiros, que nós meninos gostávamos de apreciar sobrevoando a cidade diariamente. A empresa tinha outras linhas e chegou a ter de 10 a 12 aeronaves que, com o tempo, foram caindo, um a um, levando ao fim de suas atividades. O povo, sempre gozador, chegou a criar um trocadilho meio jocoso e tétrico para sua sigla, ONTA, do qual infelizmente não consigo me lembrar. Algo como o trem de São João del-Rei, da antiga RMV (Rede Mineira de Viação), que o povo traduzia em “Ruim, Mas Vai” ou “Rincha, Mula Veia”. .
Dialogando com a história do pouso forçado em Resende Costa, lembro-me de outro caso interessante. Lá no sul de Minas, salvo engano em Santa Rita do Jacutinga, contava-se um caso semelhante. Lá também ocorreu um pouso forçado, em um lugar ainda mais complicado do que o pastinho da história do Morethson. O piloto estava desesperado, não sabia o que fazer. Não tinha nem como correr alguns poucos metros para tentar levantar voo. Aí entrou em cena um dos roceiros que estavam por ali. Já de facão na mão, chamou o rapaz e disse: tenho uma idéia. A gente amarra uma corda no rabo do avião e a outra ponta naquela árvore ali. O senhor liga o motor na força total. Quando ele estiver querendo aprumar, doido pra voar, eu corto a corda. O piloto resolveu topar. Amarraram o avião. Acelerado ao máximo, o avião empinou o bico, fazendo força e balançando, como que querendo voar a todo custo. Uma facãozada certeira do roceiro e ele subiu e sumiu. Acredite quem quiser ...
Aviação em Resende Costa
09 de Outubro de 2009, por Rosalvo Pinto
Leitor do JL - 08/11/2009
Prezado Rosalvo,
Havia mesmo o desejo da construção do campo de aviação em Resende Costa, provalmente pelo prefeito Geraldo Monteiro, pois, quando era criança, meu pai dizia que estavam pretendendo construi-lo em nosso terreno e do Abraão Hannas. O campo de aviação seria constuído entre o antigo campo de futebol do Pau de Canela (próximo ao Cruzeiro do Pau de Canela) e se estenderia até as terras do Abraão Hannas (hoje, bairro do Por do Sol, onde se encontra a cooperatva de leite).
Abraços,
Marcos Alves de Andrade
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