Hoje, 4 de janeiro deste novo ano, ainda pairam no ar os sons do Natal, na beleza do Adeste fideles da igreja matriz. Mas o presente de Natal eu ganhei foi na virada daquela noite, no alpendre da casa do povo do Góes: um miniconcerto do repertório dos sambas e marchinhas do Bananeira.
Voltando ao passado, a Mercês minha irmã se lembra, com saudade, das noites em que desciam cantando pelo beco abaixo ora o pai, ora seus dois filhos. O Tomé, o pai, cantarolando suas canções preferidas, dos tempos de Vicente Celestino, Nelson Gonçalves e Orlando Silva. Tempos depois, o Marcinho, seu filho, com as canções da Jovem Guarda, tempos da “Querida”, de Jerry Adriani e por fim, o Camilo (o Bananeira), com seus sambas e marchinhas. Belas e afinadas vozes.
Camilo de Lélis Silva, o Bananeira, 60 anos, nasceu em Resende Costa, filho do José Tomé da Silva (de Piedade do Rio Grande) e de dona Eleonilda Rosa Belo (de Resende Costa). Seu pai tinha apenas um braço e com ele batia firme um violão ou um cavaquinho. Gostava de tocar, entre muitas outras, as canções Abismo de rosas, Marcha do marinheiro e Maringá.
Aos 18 anos o Bananeira se mudou para São Paulo, para “tentar a vida por lá”, como se dizia. Aos 33 anos ele voltou para Resende Costa, de onde não mais saiu. “São os dois grandes amores de minha vida” , diz ele, com orgulho, “São Paulo e Resende Costa”. São os temas dominantes em suas criações musicais, através dos sambas e das marchinhas. Vamos começar por São Paulo e pelo samba. Em seguida, já de olho no carnaval, Bananeira canta uma marchinha carnavalesca, com letra sua e música de Milton Rodrigues:
Parabéns São Paulo 459 anos
(Letra e música de Bananeira)
459 anos de glórias,
Canto um pedaço da sua história.
Oh! São Paulo, tão ordeira,
Terra de gente hospitaleira.
São Paulo, quanta gente boa,
São Paulo, terra da garoa.
Ali passou a Elis Regina
Que até hoje o povo fascina.
Teve também Adoniran Barbosa,
Que cantou versos, cantou rimas e trovas.
Jair Rodrigues, que é gente bamba,
É sertanejo, é popular e é samba.
Nosso querido padre Marcelo Rossi,
Ele com Deus tem muita posse.
O marco zero é na praça da Sé,
Lá é a catedral de muito amor e fé.
Vinte e cinco de janeiro está no calendário
Parabéns, São Paulo! É seu aniversário.
Esse sambinha foi eu que compus
Com ajuda do mestre Jesus.
Eu canto ele com muita alegria,
Agradecendo a nossa santa Maria.
Resende Costa, eu te amo
Resende Costa, linda cidade,
Lugar onde eu nasci,
Estarei com alegria,
Resende Costa, vem pra mim.
Refrão:
Eu vim aqui saudar meu povo,
Com muita gratidão.
As palavras que saem da boca
São vindas do coração.
Carnaval, festa bonita,
Alegria do povão.
Todo mundo fica pulando
E bate palma na mão.
Resende Costa, eu te amo,
Resende Costa, doce terra onde nasci.
Resende Costa, eu te adoro,
Resende Costa, Resende Costa, vem pra mim!
Bananeira sempre é um dos mais animados carnavalescos de Resende Costa. Virando o ano, ele já vai pensando em comprar o seu tradicional e inseparável apetrecho: um prato branco esmaltado. Com ele rodopiando no alto, na ponta de uma varinha, ele vara as madrugadas de todos os dias em meio aos foliões.
Para não interromper o veio musical do pai e do filho, me conta o Bananeira que seu sobrinho Márcio Geraldo (filho do seu irmão Marcinho) vive, há 12 anos, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Sua fama de refinado músico já era conhecida aqui pelos seus conterrâneos. Informa o Bananeira que ele trabalha durante a semana em uma empresa americana, mas as noites de sexta, sábado e domingo são dedicadas a tocar para americanos e turistas brasileiros que passam por lá.
O “cancioneiro das lajes” costuma acordar cedo. Ali pelas 05h45, ele sai de sua casa (na laje de baixo) para fazer sua caminhada, cantando com emoção, afinação e vibrato, a Ave Maria em latim (de Schubert) e em português (de Gounod).