Pelas onze, deu-me vontade de procurar alguma coisa para comer. Lá por cima, tudo fechado. Desci. O bar da Maura lotado, com um show qualquer. Sem parar, carros desciam ou viravam à direita. O bar do Toru, ali na esquina do Zé Padeiro, me pareceu estar cheio. Cheguei, curioso, até o Espaço C&M: aquele mar de carros. Tentei um sanduíche no “Point” ou uma omelete na Gracinha: tudo fechado. Espichei até a churrascaria Ramona: rua entulhada de carros, gente borbulhando, entrando e saindo, fila para comprar ingresso. Alguém me informou que era o show do “Uai Garotos”. Resignado, voltei com minha fome. Alguns metros adiante, uma luz acesa e, na porta aberta, braços cruzados e apreciando o vai-e-vem dos carros, o Wanderlei do “Metade é do dono”. Pensei comigo mesmo: se uma metade é dele, a outra pode ser minha. E entrei.
Olhando para todos os lados do pequeno bar, nada vi de comível. Decepcionado, pedi uma pinga e ousei perguntar, sem esperança, por um tira-gosto. “Tenho carne de porco na gordura, de boi, de frango e linguiça”. Cresci o estômago e a curiosidade de saber o que poderia ser aquilo. Resoluto, “sai uma carne de porco. Ah, uma malzbier também”. E começou um bom bate-papo. Inicialmente, sobre os bares de Resende Costa. O Wanderlei garantia que havia uns 50, incluindo os da zona rural. Contamos e recontamos e chegamos à conclusão de que era mais ou menos aquilo. E continuamos fazendo uma conta curiosa. Ele vende, em média, 12 engradados de cerveja por semana (288 garrafas), ou seja, 1.152 por mês, o que, multiplicado por R$ 3,50, dá um total de R$ 4.032,00. Isso significa que, nos 50 bares, os resende-costenses estariam bebendo mensalmente R$ 201.600,00. Acreditem se quiserem!
Quase meia noite. Carros, rapazes e mocinhas (de sainhas curtinhas e decotes generosos) descendo sem parar. Entraram dois caras, tomaram duas gelosas e saíram. Enquanto crescia a expectativa pela “carne de porco na gordura”, entrou no bar o Hélio [Augusto Campos]. O Wanderlei proseava, ajeitava o som, telefonava, entrava e saía da cozinha. Entrou no papo o Hélio, 61 anos, 25 anos morando em Resende Costa, nascido em Barroso. Nunca tinha tido a oportunidade de prosear com ele. Casado com dona Augusta Maria Campos, duas filhas, Eliane e Franciane e um menino, o Felipe da Cesarea (assim, sem acento).
De repente, volta o Wanderlei da cozinha com um prato feito, caprichado, cheirando de longe: arroz, fubá “suado”, almeirão e a carne de porco cozida e frita. Agora foi meu olho que cresceu. E baixei nele. Acompanhavam o prato a pinga, a cerveja e uma garapa gelada. Foi quando o Wanderlei voltou novamente à cozinha, agora trazendo um violão, que passou ao Hélio. Como todo artista, ele regateia um pouco, afina e começa cantando “Meus tempos de criança” (ou “saudades da professorinha”), do Ataulfo Alves. Depois veio “Cidadão”, de Zé Ramalho, que me fez lembrar do Adoniran Barbosa. Jantar musical, que beleza! Só faltavam as velas. De vez em quando eu largava o garfo e cantava também. Não sabia o que era melhor: se a carne de porco na gordura, a “marvada” ou a música do Hélio. Para culminar, veio a “Noite de estrelas”, aquela do Dilermando Reis.
Prato, bebida e músicas. De repente, ali naquele recanto, eu me sentia um privilegiado. Soube depois que o show do “Uai Garotos” foi sensacional, que a festa no C&M foi muito animada, idem no Bar da Maura. Mas, naquela noite, eu não trocaria o “Metade é do dono” por nada. Nada de dificuldade de estacionamento, filas, ingressos, barulho, conversa alta, espera por garçon, divisão de contas etc. Nada. Era pura curtição!
Já era de madrugada quando acabaram o prato e o show do Hélio, que o fechou com “Cruz pesada”, do Trio Parada Dura. Verdade: parecia que toda Resende Costa estava na Maura, no Toru, no C&M e na churrascaria. Contrastando, eu, o Hélio e o Wanderlei da Costa Resende no “Metade é do dono”. Ah, ia me esquecendo, a minha metade custou apenas 10 reais. Falamos da liberdade e da beleza de estar ali, casualmente, naquela hora, naquela noite de 2 de abril, com aquela carninha de porco, tudo isso ao som daquela “música sentimental”, como definiu o violonista. E o Wanderley pôs o ponto final: “O que Deus dá pra gente, a gente não consegue captar”. Valeu Wanderlei, e até o próximo “carne de porco de gordura com fubá suado”. E que volte o Hélio com seu violão.
Leitor do JL - 18/05/2011
Rosalvo,
consegui sentir de longe o sabor da carne na gordura de porco, e matar um pouco a saudade dos meus tempos aí ...