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Didico e suas histórias ...

14 de Novembro de 2009, por Rosalvo Pinto

Qualquer jornalista se deliciaria com uma conversa ou entrevista com o Didico Vieira. Sem o ser, eu me senti um jornalista de sorte. Da roça para a “vila”, onde viveu até o início de sua juventude e, daí, para enfrentar a vida na “paulicéia desvairada”, aos 17 anos. Um resumo de sua vida

A vida do Geraldo Vieira da Silva, filho do João Vieira, tem dois grandes capítulos: a vidinha em Resende Costa, envolvido com tropas e tropeiros e a vida em São Paulo, cuidando da cavalaria do Jockey Club de São Paulo, durante 35 anos, em contacto com a fina flor da sociedade paulistana. Dá pra sacar que ele tem mesmo muita coisa a contar.

Cheguei à sua casa pelas 10 da manhã. Depois de dois “ô, de casa”, apareceram duas crianças me informando que ele estava trabalhando no lote vago de cima. Estava lá no fundo, suado de foice e enxada, limpando o lote para plantar o sempre cobiçado feijãozinho das águas. Fiquei sem jeito de interromper seu trabalho. Mas vi que ele já vinha com jeito acolhedor. Quando lhe falei que era conversa para o Jornal das Lajes, ele largou as ferramentas, abriu um sorriso e me puxou para perto de sua casa. Fomos entrando numa garagem, com um fusca avermelhado, meio desbotado, logo na entrada. Depois eu conto a história desse fusca, apressou-se a me dizer. Mas o fusca faz parte do outro capítulo. Agora digo eu: conto essa história depois. Primeiro o capítulo 1: “tropas e tropeiros”.

O restante do cômodo, um verdadeiro museu. De cara me mostrou a antiga cangalha que seu avô lhe deixara de lembrança. O Sr. João Procópio Santana, conhecido na época como “Procópio do Beramuro”, ou “Procópio tropeiro” era o seu avô. E padrinho também, fez questão de dizer, com orgulho. E disse mais: foi um dos maiores tropeiros do passado. Ele e o Zé Policarpo. Uma vida tocando tropa daqui para a Zona da Mata. Único meio de transporte de cargas na época. Levava mercadorias e trazia mantimentos para as “vendas” do Chiquito Vale, Duque, Airton Vale. Coisas que não havia por aqui: batatinha e açúcar eram as cargas principais. O “açúcar pernambucano” vinha de lá, por ser mais barato. E cada vez mais entusiasmado, passou a dar uma aula sobre tropa.

Uma tropa com “T” maiúsculo tinha que ter 12 burros (ou mulas). Os animais trabalhavam a partir dos dois anos e meio, quando acontecia a 1ª. muda (de dentes), até os vinte. Aos três e meio vinha a 2ª. Aos quatro e meio, a última, quando aparecia o “gavião”, os dentes lá do fundo. Aí o burro estava maduro para carregar até 8 arrobas (120 kg). Uma pintura de saudade brilhava nos olhos quando começou a lembrar os nomes dos burros. Tinha que começar pelo “Avenida”. Nome significativo: era o burro-de-guia. Ia na frente, com carga menor. Todo enfeitado: cincerro, espelhos e fitas coloridas. Chegando em encruzilhadas, ele era comandado apenas pela voz do tropeiro, gritando lá de trás: “frente, esquerda, direita”. Encaixado na sua cangalha subia bem alto um pau roliço, o “arrocho”. Na sua ponta uma fita, ora branca, ora vermelha. A branca significava “tropa vazia ou com carga leve”; a vermelha, “carga pesada”. Quando a tropa se aproximava de uma cava, o tropeiro subia o barranco para olhar a saída dela. Avistando outra tropa com fita vermelha, parava a sua e esperava a outra passar. Se fosse branca, a preferência era da sua. Os espelhos eram para refletir de longe o guia da outra tropa.

Continuaram os nomes. A cada um, uma expressão de deslumbramento e saudade: Despacho, Sereno, Realeza, Xodó, Soberano, Jeitoso, Pachola ... Aí o Didico fez outra pausa. Opa! Esse era o “burro de coice”, o que vinha atrás. Geralmente um dos mais velhos, mais lerdos, tinha que ser manso. Com uma carga um pouco menor, por cima dela levava a “cozinha”. O outros ... o Didico ficou agoniado por não se lembrar mais dos quatro que faltavam. Vou lembrar depois. Contou que o Jeitoso era um burro preto que foi vendido, tempos depois, para o Saneco (seu tio, lembrou ele). Na “Pereirinha”, lugarejo da região, continuou, havia uma fazenda com uma “indústria” de burros para atender aos tropeiros. Nosso conhecido Sílvio do Lindolfo por muitos anos foi o intermediário no comércio de burros na região.
Sem perceber, havia passado quase uma hora de prosa. E o Didico queria porque queria passar para o capítulo 2. A um dado momento, falou-se no Jornal das Lajes. Vi algumas páginas dele pregadas na parede. Mais que depressa ele atalhou: olha, se você precisar de algum número antigo, é só falar. Lá no meu sítio tenho uma coleção. Quando aparece alguém, sempre mostro alguma coisa do jornal.

Despedi-me. Momentos agradáveis. Sobretudo por conhecer um homem de fibra, obstinado trabalhador, articulado, bem informado, bom humor, de bem com a vida, apegado a sua terra, aos seus costumes, à sua história. Uma história de muitas saudades, encerrou emocionado o nosso Didico.

(agradeço ao Márcio Daniel de Sousa, o amigo Brizola, a descoberta e a indicação do Didico).

Comentários

  • Author

    Sou filho do Didico Vieira e moro em SP.Adorei a matéria e quero agradecer a atenção que deram ao papai!!!!Um homem muito simples e sempre de bom humor,sempre disposto a contar sua hitórias e seus causos...Mesmo estando em SP acompanho o Jornal das Lages,assim mato um pouco a saudade desse povo maravilhoso que me acolheu com tanto carinho.As lágrimas rolaram pelo meu rosto ao ver essa matéria..."PAIZÃO",UMA LIÇÃO DE VIDA!!!!!
    Amo esse lugar,como papai mesmo diz:
    O PEDACINHO DO CÉU!!!!!


  • Author

    SOU A FILHA MAIS VELHA DO "DIDICO", E MORO
    AQUI EM S.PAULO. FIQUEI MUITO FELIZ EM LER
    NO JORNAL UMA HISTÓRIA CONTADA POR MEU
    PAI.
    REALMENTE É MUITO BOM ESTAR PERTO DELE,
    O SEU BOM HUMOR É CONTAGIANTE.
    AMO MEU PAI !!!!


  • Author

    Há tantas histórias e lições de vidas que podemos aprender com esses homens, como o sr. DIdico, o meu finado avô Joãozinho, que chegou a ter tropa e tropeiros a levar o nosso carvão para os fornos de Lafaiete... Nossas estradas, caminhos serão sempre desses bravos e desbravadores homens! Abs


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