Não sou psicólogo, psicanalista ou sociólogo. Apenas um linguista.
A faculdade da linguagem é uma das condições fundamentais da vida dos seres humanos. Sem ela nós seríamos como os demais animais: seres irracionais. Foi a partir do desenvolvimento dessa capacidade que nos tornamos seres racionais, ou seja, pensantes e conscientes.
O exercício da linguagem possibilitou a organização das sociedades humanas. Quanto mais complexas essas sociedades e maiores nossos conhecimentos sobre nós e sobre o mundo, mais a linguagem vai se aparelhando para dar conta desses processos. Por isso as línguas naturais humanas são extremamente criativas. Para cada nova necessidade criam-se novas palavras. Que podem durar séculos, como desaparecer de uma década para outra. As novas gerações não conhecem a palavra “boko moko” (ou “boco moco”), por exemplo. Nascida e usada na década de 70, logo, logo desapareceu. Significava desatualizado, fora de moda no agir e no vestir, conservador, ultrapassado etc. Na mesma época criou-se a palavra “dica” para indicar um conselho, uma sugestão, uma indicação (suponho que “dica” venha dessa palavra) para se resolver uma questão, termo usado em provas, vestibulares, concursos etc. Essa continua firme na língua.
Sabemos que uma das questões mais complicadas na vida dos humanos é a do relacionamento amoroso entre homem e mulher. À medida que a moral e os costumes nessa esfera vão se mudando, a linguagem vai se adaptando a essas mudanças através da criação de novas palavras.
O nosso português anda apertado para dar conta de criar novos termos referentes aos diferentes tipos ou fases dos relacionamentos amorosos, que vão se multiplicando. E haja criatividade!
Antes uma olhadinha no passado para lembrar como funcionavam essas coisas. Em matéria de amizades e relacionamentos, os pais andavam sempre vigilantes, fiéis cães de guarda, sobretudo quando se tratava da moça. Depois vinha a árdua e perigosa tarefa do “pedido de namoro”, geralmente por parte do rapaz. Podia dar certo ou dar zebra. No primeiro caso, tinha que começar namorando em casa, da namorada, claro. No caso de zebra, o namoro poderia começar (e continuar) às escondidas. No início era preciso contar com a boa vontade das “velas”, do lado das moças. Geralmente cabia às irmãs mais novas, e principalmente às primas ou às tias a difícil tarefa de ser ou ir de vela. Em muitos casos elas entravam na história apenas de gaiatas, como parte de um álibi: “no reveion vou à praia com o Carlão, mas a Bia da tia Jô vai com a gente”. E muitos pais, bobinhos, acreditavam nessa história. Depois vinha o casamento, com todos seus problemas, convites, padrinhos, enxoval, festas, confusões, brigas etc. até o veredicto final, na igreja: “prometo, para sempre”. Só que hoje até esse termo “sempre” já perdeu o seu sentido original. Passou a significar “até enquanto durar”.
Hoje as coisas são bem diferentes. Tudo pode começar com um simples “peguete”. O peguete é a forma de relacionamento na qual os parceiros se “pegam”, alguma ou mais vezes, para uma pequena paquera, uma fugida, um sarro, um amasso, saídas rápidas, uma balada, mas nada de compromisso. Mais ou menos no mesmo nível, há também a fase do “periguete”, essa mais para as garotas. São aquelas mais “prafrentex” (olha aí outro termo que não se usa mais), que são mais atiradas, mais dadivosas, pulando de galho em galho. Daquelas sobre as quais algumas mães ainda comentariam, preocupadas: “se a Kelly continuar assim, vai acabar ficando solteirona”. Quando esse relacionamento já cresce um pouco em tempo e em intimidade, vem a etapa do “ficar” ou do(a) “ficante”. “Você está namorando o Edu, minha filha? Não, estou apenas ficando”, costuma-se ouvir por aí. Até essa fase é tudo numa boa, sem brigas, sem desgastes, apenas pura fruição. Do ficante passa-se a um grau de compromisso maior: o namoro ou namorado. É a época, para uns, de relacionamento firme e, para outros, de um relacionamento do tipo vai-e-vem, brigas e voltas.
Ao namoro segue-se, ou não, o tradicional noivado. Antigamente o noivado era solenemente pedido. Hoje pode até ser simplesmente comunicado aos pais: “vamos ficar noivos e vamos nos casar no dia tal”. E ponto final. Quando ao namoro não se segue o noivado, é porque não haverá casamento. Então a situação seguinte é apenas de “juntados”. “Vão se casar? Não, vamos apenas juntar os panos, os trapos”. Ao casamento podem se seguir hoje as situações de “separados” ou, mais juridicamente resolvidas, as de “divorciados”.
Mas o importante é que desde o “peguete” até o eventual divórcio, o fator financeiro está na base de tudo, das artimanhas da relação e dos problemões das separações. E a regra básica para enfrentar tais situações poderia ser esta: para qualquer um dos tipos de relacionamento, é bom estar com o pensamento e o olho no coração (ou na cama...), inicialmente, mas, depois e sobretudo, no bolso...
Do peguete ao divórcio
10 de Janeiro de 2011, por Rosalvo Pinto