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Dos pastinhos, às garagens e às vagas

17 de Setembro de 2014, por Rosalvo Pinto

Sou do tempo do onça e até hoje não sei o porquê desse “do onça”. Mas vamos lá, sendo do tempo do onça, sou também do tempo dos pastinhos. Lembro-me muito bem dos pastinhos. Aqui no Arraial da Lage (de tão velho que ainda era escrito com “g”), durante mais de dois séculos, um “pastinho” era artigo de luxo, símbolo de riqueza e de nobreza.

Mas para chegar aos pastinhos, vale a pena uma pitada fajuta de história dos meios terrestres de locomoção de antigamente. É óbvio que por muitos séculos o único meio de locomoção de nossos antepassados eram as pernas. Depois lançaram mãos dos animais: camelos, cavalos e outros. Depois veio a grande invenção: a roda. A partir daí, juntou-se a roda com os animais e apareceram as diligências e as carruagens puxadas pelos cavalos e os “carros de boi” puxados pelos bois. Em nossa região predominaram o cavalo e o carro de boi. Ou o burro, quando se tratava de transporte de mercadorias. Em outras regiões do Brasil, de São Paulo para o sul (sobretudo aquelas povoadas com imigrantes italianos e alemães), usavam-se muito as diligências no transporte de pessoas.

Mas o nosso arraial virou cidade e depois município, por volta de 1911 e 1912. Predominavam no município, já desde o século 18, as atividades agropecuárias. Era a época dos latifúndios e das grandes fazendas. Os fazendeiros ocupavam o centro da cidade com suas casas grandes e vistosas.  A cada casarão ou sobrado das famílias mais abonadas correspondia, mais perto ou mais longe, maior ou menor, um pedacinho de terra chamado “pastinho”.

Até meados dos anos 30, quando apareceu o primeiro “automóvel” em Resende Costa, os pastinhos eram o espaço destinado ao repouso, à segurança e à alimentação dos cavalos, éguas e burros dos fazendeiros ricos.  Quanto mais ricos, mais perto, maiores e mais bem cuidados os pastinhos. Os que não podiam ter o luxo de um pastinho costumavam ter, ao lado de suas casas, uma espécie de garagem. Abria-se um portão e os animais entravam para serem arreados ou desarreados e raspados. Ao lado de minha casa mesmo havia uma “garagem de cavalos” do Nico Silva.

Lembro-me de alguns dos pastinhos. Cito alguns, começando com o do Nico de Souza (Antônio de Souza Maia Júnior, fazendeiro dos mais abastados e político importante, prefeito municipal no período de 1947 a 1950). Ele era proprietário da Fazenda dos Currais, no Curralinho. O seu pastinho, a rigor, um “pastão”, era lá no final do Canela, perto do Cruzeiro, à esquerda de quem está saindo da cidade.  Como seu sogro, o Nico Cassiano, era também fazendeiro (Fazenda do Quilombo, mais modesta), ele utilizava o mesmo pastinho.

Além do Nico de Souza, tinham seus pastinhos o Perboyre, ao fundo do terreno da “Chácara” e ao lado do Buraco do Inferno, o Francisquinho Mendes, o Sôbico, na Serra do Urubu, e o famoso “pastinho da Sá Custódia” (casada com o José Jacinto Lara), entre outros. Para se ter uma ideia do tamanho do pastinho da Sá Custódia, ele compreendia o terreno hoje ocupado pela prefeitura e pelo Bairro das Flores inteiro.

Curiosamente, além dos pastinhos particulares, havia também os “pastinhos de aluguel”, para pessoas que estavam de passagem pela cidade. Lembro-me de dois deles: o da “Chácara” e o do Manuel Cassiano, este também um terreno muito grande, hoje ocupado por muitas casas, pelo campo de futebol do Expedicionário e pela Escola Conjurados Resende Costa.

Aos nove e dez anos de idade eu já começava a ganhar algum dinheirinho. Eram trabalhos esporádicos. Na própria casa do Nico de Souza (hoje conhecida como “Casa do Boqueirão”), quando se matava um porco (e isso era frequente...) eu passava o dia vigiando as carnes expostas para espantar os urubus que esvoaçavam ao redor do quintal. Ao final do dia, o prêmio: Sá Donana (esposa do Nico) entrava no quarto, tirava do alto do guarda roupa uma caixinha e dela saía uma moeda de um cruzeiro. Dava para comprar bolinhas de gude, material para fazer “estrelas” (papagaios, arraias) e alguns picolés. Antes das Semanas Santas se apurava também uma graninha, alguns tostões, capinando rua.

Voltando ao pastinho do Nico de Souza, lembro-me de que fui freguês dele. Era o trabalho de buscar e levar cavalos ao pastinho. Tanto do Nico de Souza como do Nico Cassiano. Os arreios ficavam em casa (havia também uma “garagem de cavalos”). Rédea e cabresto na mão, encostava o animal ao lado de um lugar mais alto, colocava um saco de aniagem (que a gente chamava de “saco de linhage”), um pedaço de pau na mão, e rumava para o “Pau de Canela”. Na volta, a grana.Hoje tudo mudou. Os cavalos passaram a ser objetos de lazer (ainda se vêem pelas roças raros fiéis ao cavalo...) e a cidade inundou-se de carros, motos, caminhões, ônibus, bicicletas – todos baseados na velha roda – garagens e vagas disputadas, enfim, um inferno de barulhos, brigas, acidentes, mortes, poluição etc., etc. Não sou profeta, mas...salve-se quem puder

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