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Laudinor do Pedro Olímpio

12 de Maio de 2010, por Rosalvo Pinto

Minha vontade era de dar a este texto o título de “Laudinor, o fac totum”. No grande poder de síntese do latim, esses dois termos significam “aquele que sabe fazer de tudo”. Até porque o nome “Laudinor” me sugere (ou me soa) qualquer coisa de latim. Como estudioso e apaixonado por essa língua, me parece ver ali a fusão de duas palavras: laudi (da raiz latina laud, que significa louvar, louvor) e –nor (que poderia ser da raiz de honor, honra). Por mais que tenha pesquisado, entretanto, não consegui saber a origem desse nome. Mas a minha interpretação tem muito a ver com o Sr. Laudinor, qualquer coisa como “louvor a sua honra”, sei lá. O fato é que muito me honra louvar o velho amigo Laudinor.
 
Quem em Resende Costa não conhece o Sr. Laudinor, também conhecido como “Laudinor do Pedro Olímpio”? Seus pais, Pedro Olímpio de Resende e Da. Tarcila Maria de Jesus tiveram, pasmem, 19 filhos, sendo 17 criados. Desses 17, 13 eram homens e 4, mulheres, todos nascidos e criados na zona rural. Esses números me fazem lembrar um fato curioso. Há muitos anos atrás, na tradicional cerimônia do lava-pés da semana santa, os 12 apóstolos foram representados por 12 dos filhos do Sr. Pedro Olímpio, todos altos e esguios. Mas como eram 13, o Pe. Nélson, vigário naquela ocasião, colocou um deles como ajudante do Cristo no ato de lavar os pés de seus apóstolos.
 
Mas voltemos ao fac totum. Isso vem de uma curiosa e admirável história. Nos aproximados 50 anos em que ele viveu na zona rural, já era, mais que um fac totum, um consertat totum, se é que existe o verbo consertat no latim (que me perdoe o colega João Magalhães, latinista de plantão, ali da coluna “O verso e o controverso”). Ele perambulava pela zona rural consertando tudo que se movia por lá: motores elétricos, carneiros hidráulicos, picadeiras, bombas, moinhos, monjolos etc. Acompanhava-o, ainda menino, seu filho Daniel, hoje um mecânico qualificado e muito procurado na cidade. Mas o Laudinor, com o tempo, passou a ser tanto procurado também pelo povo da cidade, que acabou se mudando para a “vila”.
 
O Laudinor é um misto de ferreiro, serralheiro e carpinteiro. Faz um pouco de tudo, mas sua especialidade mesmo é lidar com ferro e aço. Desde ferradura e cravo de ferrar cavalo, até revólver ou espingarda. Sai de tudo de sua operosa forja: enxó, enxada, machado, machadinha, faca, facão, ponteiro, talhadeira, canivete, compasso, balanças e ... a lista vai longe. Talvez seja melhor resumir dizendo que não existe nada que o nosso fac totum não faça. Interessante é a “tanaz” (tenaz), um tipo de alicate de pernas muito compridas e de bico fino e chato, próprio para pegar peças de ferro quentes e de muita utilidade em nossos fogões à lenha: serve para pegar tampas de trempes e de panelas e paus em brasa. Quem ainda não tem uma “tanaz”, corra lá e encomende! Facas e canivetes costumam ser feitos com o capricho de um cabo de osso ou de chifre.  
 
Quem entra na sua oficina não consegue entender como é possível, com poucas máquinas e ferramentas, fazer o que ele faz. Uma furadeira de bancada, uma grande morsa, a bigorna e a forja. Sempre muito engenhoso, sua velha forja foi modernizada com um ventilador elétrico, que sopra, com pressão, as brasas do braseiro. Com isso ele economizou muito “bofe” por esses últimos anos.   
 
Sempre que posso, passo pela oficina do Laudinor. Não sem antes tomar a “benção” dele (isso mesmo, “benção”, sem “a” e sem acento no “e”...). Ele sempre tem uma novidade pra mostrar. Na última vez aconteceu algo curioso. Ao me receber no portão, ele brandia, como se fosse um troféu, uma machadinha faiscando de nova, cabo curto, de roxinho. Por que essa alegria, Seu Laudinor? Porque alguém me roubou minha machadinha antiga de estimação e o meu paquímetro. E brincalhão: por desaforo, acabo de fazer uma outra e, olha aqui, comprei um paquímetro novinho, muito melhor e mais moderno do que aquele que o ladrão me levou! Bem feito pra ele! Era a sua vingança. Depois me mostrou, orgulhoso, a última novidade: a organização de suas ferramentas de trabalho em pequenas caixas, colocadas em uma estante, como se fossem gavetas, com os nomes das ferramentas na parte frontal:  ponteiros, formões, talhadeiras e por aí vai.  
 
O Laudinor foi casado em primeiro casamento com Da. Maria de Resende Pinto. Com seu falecimento, casou-se com Da. Edna. Honrando seu pai, teve nove filhos (Antônio, Aparecida, Lúcia, Luzia, Gorete, Judite, Daniel, Maria Helena e Elias). Mas dessa vez, ao contrário de seu pai, caprichou mesmo foi nas mulheres: seis!
 
Aos 83 anos, volta e meia ele sai da oficina e entra na sua garagem. De lá sai todo espanéfico, às vezes no seu Fiat Uno, outras na sua moto. Corta a cidade e as estradas da zona rural ora num, ora noutra.
 
Este é o Laudi-nor, homem honrado, louvado pelo seu trabalho. E sempre amigo, brincalhão!
 
(agradeço a sua filha, Judite, pelas informações que me passou sobre seu pai)

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