Essa mulher...
Tosca. Sentada. Alheada...
Braços cansados
Descansando nos joelhos...
Olhar parado, vago,
Perdida no seu mundo
De trouxas e espuma de sabão
- É a lavadeira”.
Lá pelas décadas dos quarenta e dos cinquenta, avançando já pelos sessenta. Nossa Resende Costa (e as cidades do interior do Brasil) tinham um eterno problema: água e energia elétrica. Comunicações? Ainda patinavam: carta, telégrafo e telefone. Automóvel e caminhão? Poucos. Mas praga mesmo eram a água e a luz.
Naqueles tempos já existiam os movimentos, os protestos. Era com gente mais nova. Lembro-me de ver e ouvir grupos, na Av. Gonçalves Pinto, cantando um refrão de protesto: “Resende Costa - cidade que seduz – de dia falta água – de noite falta luz”.
Vamos atacar a água. Encanada? Uns poucos canos, no centro da cidade. Que o Chico Daniel, o Nhô do Chora e o Pedro Henrique, lá de longe, que o digam. Coitados, deviam aguentar o choro do povo, pois todo mundo queria ser servido. O que salvavam a pátria eram as cinco fontes que rodeavam a cidade: Fonte da Chácara, a da Ilha (que o povo dizia “Fonte da ia”), a da Mina, a do João de Deus e a dos Cavalos. Mas quem segurava a barra - ou melhor, as bacias - eram as lavadeiras.
Foram as heroínas da lavação de roupas. Nem sempre bem remuneradas. O serviço consistia em uma rotina bem organizada. Na segunda feira era o dia de recolher as roupas sujas nas casas. Depois desciam para as respectivas fontes, onde ficavam durante o dia. Cada uma tinha seu lugar. Dependendo do volume de roupa, elas voltavam nos outros dias. Em casa, com os seus ferros de brasa, passavam a roupa. Na sexta feira elas cruzavam a cidade toda com os pacotes feitos de lençóis branquinhos.
Bem, essa era a parte dura. Havia o descanso para os bate-papos, as conversas, os cochichos, os futricos e a cantoria com as canções antigas.
Mas vamos às Lavadeiras, lavadeiras com “L” maiúsculos. A maioria delas descansam nas fontes do além. Outras, muito poucas, ainda andam por aqui. Começamos com duas que foram as mestras, as rainhas: a Sá Maria do Cassimiro e a Neném da Iana. Depois vinham as outras: a Messias do Zé Joaquim, a Alda do Chico da Sá Malvina, a Sá Bulia, a Sá Violante, a Cecília do Nico Barbeiro e outras. A Neném da Iana tinha um “quarador” de primeira: as “lajes de baixo”. Viveu seus últimos anos totalmente curvada de tanto carregar trouxas e bacias. A Sá Maria do Cassimiro parecia que morava na Fonte da Chácara. O curioso é que há ainda lavadeiras que “lavam para fora” em ação: as irmãs Maria José e Rosália da Vovó e a Conceição Forneira.
Era um trabalho duro, ao sol. Naquele tempo não havia sabão em pó e amaciante: era sabão preto, feito em casa, ou tablete de “sabão português”, amarelo e manchado de roxo. O importante é que as roupas chegavam nas casas macias e “cheirando a sol”. Também, pudera: as águas das fontes eram abundantes, limpas e potáveis. Hoje, se é que existem... estão degradadas ou mortas.
Na nossa sociedade parece que todo trabalho costuma incomodar os outros. Quando faltava água na cidade e apareciam as carregadoras (ou carregadores) com seus apetrechos, uma lata de 18 litros e uma “rodilha” de pano na cabeça, as lavadeiras não gostavam muito dessa invasão de seu reino...
Vale a pena lembrar também que essa profissão era a sobrevivência das lavadeiras, mas, dependendo das necessidades, elas viravam forneiras, arrumadeiras, arrumadoras de porco etc.
Tempos atrás, perambulando pelo centro de Paris, dei de cara com uma rua pequena e charmosa, um pequeno quarteirão que desemboca no Rio Sena. Logo olhei a placa, claro. Achei bonita e sugestiva: “Rue des Lavandières” (Rua das Lavadeiras). Deve ser uma homenagem carinhosa. Quem sabe teríamos uma “Rua das Lavadeiras” em nossa terra?
Paramos por aqui. Começamos com a Cora Coralina e com ela fechamos. Do seu livro “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”:
“Seu olhar distante,
Parado no tempo,
À sua volta
- uma espumarada branca de sabão.”
“Vestindo o quaradouro
De cores multicores”.