O senhor Antônio Cassiano, conhecido como Nico Cassiano, nasceu no município de Prados em 1862 e faleceu em São João del-Rei em 1961, com, aproximadamente, 99 anos. Teria falecido com mais anos ainda se não fosse um fatídico tombo em uma comprida e apertada escada no fundo da casa onde morava em São João del-Rei. O estrago foi tão grande que ele não mais saiu da cama. Tinha saúde para isso, saúde de ferro. Andava pelas ruas de São João, gostava de pescar, lia jornais, gostava de discutir assuntos políticos (era fã do Carlos Lacerda) e tomava sua cachacinha às escondidas em um bar ali por perto da elegante Rua Balbino da Cunha, a Broadway da cidade.
Era meu amigo. Gostava de mim e vice-versa. Pena que foi por pouco tempo: dos sete aos onze anos. Ele se mudou para São João e eu também, porém fui para o seminário e não pude mais curtir a curta amizade.
O Nico Cassiano casou-se com uma moça de Lagoa Dourada, a “Sá Amélia”, do povo ali da Rissaca (Ressaca), lá pelos anos de 1890/91. Vieram viver em Resende Costa. Tiveram apenas uma filha, nascida em sete de setembro de 1892, chamada Ana Augusta. Essa pequena família terá sido a mais longeva na história de Resende Costa. Nico, o pai, 99 anos; Sá Amélia, a mãe, 92 anos (1872/1964) e a filha, que veio a ser conhecida como Sá Donana, quase 107 anos (1892/1999). Sá Donana veio a se casar com os Souza Maia do Curralinho, o Antônio de Souza Maia Júnior, o Nico de Souza (1882/1964, 82 anos).
Essa pequena família, agora de dois casais, veio morar no centro de Resende Costa, no casarão da Praça central da cidade (Praça Dr. Costa Pinto). Pai e genro tinham suas fazendas, o Nico Cassiano, a fazenda do Quilombo e o Nico de Souza, as fazendas dos Currais e do Santo Antônio. O casal Nico de Souza e Sá Donana não teve filhos e adotou uma criança da família Vale (Maria Vale, a dona Sinhá). O casarão foi, nas décadas de 20 a 50, a mais elegante, charmosa e festeira residência de Resende Costa, frequentada por autoridades, sobretudo políticos, que passavam pela cidade. Em princípios da década de 1950 (1952), os dois casais se mudaram para São João del-Rei. Depois passaram pela famosa casa os casais Francisco Chaves/dona Vanda, o Juquinha de Souza, o Luizinho Chaves, o Omar Teixeira, o Nico Resende e, por fim, passou para o José do Boqueirão, povo da Gameleira. E o veterano casarão ainda está firme por ali.
O Nico Cassiano era uma pessoa reservada, trabalhador, de modos extremamente simples, não ligado a religiosidades, meio à margem da vida agitada do casarão. Tinha seu cantinho ao fundo da grande horta, com seus arreios, uma geringonça para fazer seu fumo (que eu rodava para ele trançar), as colméias de abelhas e os apetrechos de pesca, sua distração predileta. Certo dia, ao entardecer, baixou um enxame de abelhas por cima da sua casa. Imediatamente ele preparou a caixa de madeira, esfregou nela erva-cidreira e conseguiu pegá-lo. Quando anoiteceu, ele o levou para mim, na horta de nossa casa, que estava do outro lado da rua. Cuidava sozinho de sua propriedade do Quilombo, para onde ia sempre a cavalo. Mantinha uma garrafa de cachaça escondida na alfaiataria do Zé Nicodemos (Zé do Alfredo), frente ao casarão, para a ida e para a volta do Quilombo.
Voltamos à amizade entre o Nico e o “Lovado”, como ele me chamava. Desde os oito anos eu o acompanhava, quase sempre na garupa da sua égua de estimação, tanto ao Quilombo, como nas pescarias, para as quais ele preparava a matula (queijo e linguiça). Voltando para casa, eu levava a égua, montado em um saco de aniagem, para o pastinho do Pau de Canela, feliz com um cruzeirinho no bolso. Em 1952, ele foi forçado a mudar para São João del-Rei. Foi um golpe duro na sua vida. Por coincidência, minha família também mudou para lá na mesma época. Em São João, ele costumava pescar. Atravessava a pé a cidade, passando pelo Matola e beirando a linha de ferro da Maria Fumaça, ele aparecia na Vila Santa Terezinha onde morávamos e me levava para pescar no Rio das Mortes.
Com minha ida para o seminário salesiano em 1953 a amizade entre o menino de 11 anos e o velho Nico Cassiano foi cerceada. Quando ele faleceu em 1962, o extremo rigor do seminário não me permitiu ir ao seu velório e a seu sepultamento, mesmo residindo na mesma cidade. Daquela amizade, sobraram apenas a memória e uma grande saudade.