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Mons. Nélson Rodrigues Ferreira

05 de Julho de 2008, por Rosalvo Pinto

Muito já se escreveu sobre o Mons. Nélson. Inclusive neste jornal. Mas há sempre um ângulo diferente, um cantinho obscuro e escondido a ser observado, ao se traçar o perfil de alguém. É por aí que vou tentar aqui. No carinho e na delicadeza. Mas sei que é difícil fazê-lo caber nesta coluna.

Prefiro chamá-lo de Pe. Nélson. É mais simples, mais carinhoso, foi o nome que o acompanhou pela maior parte de sua vida. Monsenhor é nome mais sofisticado, nobiliárquico, burocrático. E não se aplica bem ao homem simples, desprendido dos bens materiais, de costumes espartanos que ele foi. E é a partir dessa simplicidade que começo a enxergar e a tentar desenhar sua figura. Ele, sem dúvida, seguiu à risca o que dizia o teatrólogo americano Oscar Wilde: “eu tenho os gostos mais simples do mundo. Eu me contento com o melhor”. Assim foi ele por aqui em seus 44 anos de resende-costense, mesmo que tenha nascido na vizinha Piedade do Rio Grande, em 1914. Sua figura de ser humano e de sacerdote se mistura com a sugestiva silhueta dessas lajes, encimadas por um imenso sol e pelas torres dessa imponente Matriz, que por anos foi a sua casa.

Não era muito voltado para o trabalho ou a convivência com crianças e jovens. Nem mesmo com seus coroinhas. Delegava às suas colaboradoras a atividade de catequese (o tradicional “Catecismo dominical”) e a organização e manutenção da “Cruzada Eucarística”. Quando, em 1948, recebeu como auxiliar o recém ordenado Pe. Adelmo Ferreira da Silva, que passou a cuidar dos coroinhas e da Cruzada, ele teve que tolerar uma verdadeira revolução em sua inexpugnável Casa Paroquial. Pe. Adelmo escancarou as portas e a criançada, em algazarra, invadiu aquele misterioso casarão. Como fazia parte da Cruzada e dos coroinhas, lembro-me muito bem disso. Mesmo assim a gente andava meio cabreiro por aqueles que nos pareciam longos corredores e sisudos ambientes.

Pode-se dizer também que não era muito envolvido com questões assistenciais ou atividades de cunho social. Pelo contrário, desenvolvia seu trabalho pastoral mais ligado à elite da cidade. Limitava-se a apoiar as ações para a manutenção da antiga Santa Casa, do Asilo, da Conferência de São Vicente de Paula. Sua vida, suas atitudes, seu perfil pastoral eram típicos de um sacerdote fiel à mentalidade de Igreja dominante em sua época, uma Igreja voltada preferencialmente ou mesmo apenas para as coisas espirituais.

Era por isso um fiel guardião da Igreja católico-romana, vista como uma instituição eclesiástica e hierárquica, com todas suas exigências na liturgia, nas normas do Direito Canônico, nos costumes e na moral. Nesse aspecto, era um sacerdote coerente em sua vida sacerdotal e no trato com seus paroquianos. Por essa razão combatia vigorosamente toda forma de manifestação religiosa que não se enquadrasse nos cânones do catolicismo romano: as igrejas evangélicas, o espiritismo, a maçonaria, as crenças em benzedores e curandeiros, os cultos do umbandismo. Do púlpito, martelava continuamente os “católicos” que procuravam o curandeiro Zé Arigó em Congonhas, ou a Legião da Boa Vontade do Alziro Zarur. Mas foi evoluindo lentamente, sobretudo com as mudanças deflagradas pelo Concílio Vaticano II, nos anos 60. Combatia também manifestações culturais e de lazer que, na visão da Igreja que representava, poderiam estar ligadas a algum tipo de erotismo ou de licenciosidade, como carnaval, bailes, etc. Até os famosos festivais de inverno do “Grupo Raízes”, em fins de 70 e inícios de 80, foram inicialmente combatidos por ele.

Não era um sacerdote ligado a partidos ou a atividades políticas. Mas em algumas eleições municipais, dependendo dos candidatos a prefeito, não deixava de apoiar ostensivamente, fazendo do púlpito um pequeno palanque eleitoral, um candidato mais ligado à Igreja e a suas irmandades.

Era um sacerdote de formação intelectual refinada. Muito culto e bem informado, falava e escrevia com desenvoltura e correção, além de sua notória paixão pela História. Essa sua característica foi determinante para uma empreitada - da qual foi um dos líderes ao lado do Prof. Geraldo Sebastião Chaves -, extremamente benéfica para Resende Costa: a criação do antigo “Ginásio Nossa Senhora da Penha”, na década de 60, do qual foi Diretor e Professor por alguns anos. Na história da educação em Resende Costa ele mereceu um papel de destaque.

Um aspecto curioso de sua vida: era, quando mais jovem, um homem vigoroso, por vezes, nervoso e irascível. Sobretudo quando estavam em jogo a ordem, a disciplina e a obediência às exigências dos atos religiosos. Vez ou outra, mesmo aparamentado, descia do púlpito e colocava em ação seu poderoso e temido “muque” para controlar ou afastar “fiéis” transgressores da ordem e das normas.

Ordenado sacerdote em 1937, em Mariana, aqui chegou em 1944, para substituir o Pe. Heitor de Assis, falecido em acidente de carro em 1943, quando ia para o Rio, convocado para a II Guerra. Faleceu em 1988, integrando-se em definitivo ao solo de nossa terra. Deixou seu nome gravado em parte da avenida central da cidade e no Ginásio Municipal de Esportes. Mas, de modo especial, gravou-o para sempre na memória de todos os resende-costenses que o conheceram e com ele conviveram. Modelo de homem e de sacerdote: simples, culto e, sobretudo, piedoso, coerente e fiel.

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