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Olympia

14 de Janeiro de 2010, por Rosalvo Pinto

(dedico este texto ao conterrâneo, amigo e leitor assíduo do JL, Pe. José Hugo de Resende Maia. Ele, com certeza, vai gostar da Olympia...)

Bonito meu nome, concordam? Lembra o Olimpo, a montanha sagrada onde moravam os deuses imortais, entre eles Zeus, o maior. Depois de Métis e Têmis, suas duas primeiras esposas ou amantes, eu bem que poderia ser uma delas, uma das deusas do Olimpo, quem dera! Me contento com o nome.

Toda vestida de verde, estou feliz por aqui mesmo, numa outra montanha sagrada, de livros. Nem sei que verde é. Antigamente a gente só conhecia as seis cores da caixinha de lápis de cor, ou, tempos depois, as sete cores do “espectro de Newton”, é isso mesmo? Não sei por que, parece estranho, mas eu gostava também do preto e do vermelho, que acrescentava como adereços ao meu verde. O porquê disso, perguntem ao Freud, que está logo acima de mim. Hoje os nomes das cores são cada vez mais esquisitos: tijolo, areia, salmão, gelo, telha, azeitona, marfim, palha, folha, petróleo, tem até o azul-noite, e, mais curiosos ainda, o azul-bacia, o azul-calcinha! Agora, não dá pra aguentar é o verde-água! Se a água é incolor, que verde é esse? É até meio chique falar esses nomes. Ué!? por que estou falando isso? Ah, era da cor da minha roupa. Bem, deve ser verde musgo ou, talvez, verde oliva, chique mesmo. Tenho boca grande, sei que muitos homens gostam de mulheres de boca grande. Meus dentes branquinhos, até brilhantes. Mesmo tendo mastigado muito, estão perfeitos. Meus dedos, um pouco gastos pelo trabalho, mas ainda bonitos. As unhas pintadas de verde também, um pouco mais escuro. Descanso quietinha, agasalhada por uma capa transparente. Acho que é de uma coisa chamada acrílico.

Também pudera, depois de 25 anos de trabalho ininterrupto, estou aposentada. Merecia mesmo. Por esse tempo todo fui uma excelente professora. De língua portuguesa, de linguística, de latim, sabia e ensinava muita coisa. Ajudei muita gente a passar nos vestibulares. Escrevi muitas cartas: de amor, de tristezas, de angústias, de negócios. Documentos importantes, petições, rescisões, declarações, muitos. Fui sempre incansável e obediente. Pegavam meu braço e eu me deixava levar mansamente pra lá e pra cá, por horas e horas, sem me queixar. Discreta e fiel, guardava e ainda guardo muitos segredos, no emaranhado do meu esqueleto.

Ah, me esquecia de dizer. Tenho um sobrenome complicado, mas certamente elegante: Olympia Werke Wilhelmshaven. Dá até pra desconfiar que sou estrangeira. E sou mesmo: nasci na Alemanha. e vim para o Brasil em fins da década de sessenta. Sem falsa modéstia, posso dizer que também sou precoce: já nasci falando e comecei a trabalhar com uns três ou quatro anos, não me lembro bem. Morei uns três anos no sul de Minas antes de vir para Belo Horizonte, em janeiro de 1970. Naquela história de amor à primeira vista, me casei logo com o homem perto do qual vivo até hoje. É, posso até dizer que foi um casamento feliz. Puro companheirismo. Tenho muito orgulho de ter participado de quase tudo que ele conquistou. Por isso acho que ele me tocou sempre com o maior carinho. Seus dedos me acariciavam muito rápidos, mas sempre com maestria, delicadeza, com sensualidade.

De tanto trabalhar, envelheci. Mas conservei a pele lisa e atraente. Nenhuma ruga. Posso mesmo dizer que ainda sou bonita. Os tempos passaram, mudaram e meu companheiro se apaixonou por outras, mais novas, modernas. Mas eu não o abandonei, estou sempre aqui, de onde o vejo, com tristeza, acariciando outra. Mas sempre à espera de que seus dedos voltem, algum dia, a me tocar como antes. É estranho, mas tenho certeza que de ele me ama, pois, apesar de tudo, nunca me abandonou. Ainda cuida de mim. De tanto em tanto ele se volta para trás e me olha. Desconfio até que com uma pitada de saudade. De algum tempo para cá ele colocou duas mãozinhas, longas, brancas e delicadíssimas, sobre mim. Então me lembro de uma frase misteriosa e instigante que eu escrevia para ele, nos tempos do trabalho e do amor, quando eu era muito tagarela. Se não me engano era daquela amante do escultor Rodin, a Camille Claudel, que esperou por ele a vida toda: “há sempre alguma coisa de ausente que me atormenta”. É verdade, tanto nos tempos do amor como nos de hoje, do silêncio e da solidão, meu tormento.

Agora vocês já sabem quem eu sou: Olympia Wilhermshaven, com muito prazer. Então venham me ver. Tragam apenas delicadeza nas pontas dos dedos e podem me tocar à vontade. Talvez assim eu reviva aqueles tempos de puro encantamento. Venham mesmo, estou esperando.

(Minha homenagem à Olympia, companheira e confidente inseparável de muitos anos, hoje, silenciosamente oferecida)

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