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Pátria de chuteiras

09 de Julho de 2013, por Rosalvo Pinto

De repente, a “pátria de chuteiras” virou a “pátria de protestos” e, quem sabe, essa última se transforme na “pátria de esperanças”.

Acabada a festa e a farra, vamos ao trabalho. Também essa história de manifestações, manifestantes e vândalos todo dia - as palavras mais usadas no país nessas últimas semanas - cansa, ninguém é de ferro. Maracanã lotado (de gente rica, claro...), a pátria calçou as chuteiras de campeã. No dia seguinte, a rotina da vida dura: ônibus entupidos e caros, estradas esburacadas, latrocínios, arrastões, custo de vida alto, corrupção, politicagem, filas nos postos de saúde, escolas decadentes, caminhoneiros barrando estradas. E vêm mais coisas por aí...

Eu havia escrito este texto antes dos protestos de rua que, de repente, tomaram conta do país. Ao escrever sobre a Copa do Mundo e seus problemas, eu concluía que a única solução para resolver nossos inumeráveis problemas seria convocar o povo para as ruas. Basta lembrarmos das “Diretas, já” e do “bota-fora do Collor”. Mas, infelizmente, se o Collor voltou, era mal sinal... E, para minha surpresa, o povo foi para as ruas. E, detalhe importante, a maioria, jovens. Era bom sinal.

O momento nos convida a meditar sobre a famosa expressão criada pelo inesquecível Nelson Rodrigues. Depois de publicar a obra “À sombra das chuteiras imortais”, ele escreveu “A pátria de chuteiras”. Na primeira, ele mostrava como o Brasil conseguiu sair do “complexo de vira-lata” depois de vencer as copas de 58, 62 e 70. Na segunda, ele trata da paixão do Brasil pelo futebol. Mas com as derrotas de 74 e 78, ele, desgostoso, disse que havíamos voltado para o antigo complexo.  

Que me perdoem o Nelson Rodrigues e os meus irmãos brasileiros, mas que negócio é esse de “pátria de chuteiras”? Por que não pátria das mãos, dos braços, das pernas, e, sobretudo do cérebro? Ou esse povo do Brasil só tem pés? As mídias gastam horas e muito dinheiro com o futebol. Jogadores mercenários, ganhando fortunas astronômicas, para alimentar, tal como na história do “pão e do circo”, milhões de brasileiros. É um acinte aos milhões de pobres deste país. O Ronaldinho tem mais horas de TV do que a presidente Dilma! E por que todos os outros esportes não têm vez na mídia e no país?

Mas a pátria de chuteiras me leva a outras considerações. No dia 30.10.2007, numa festa na Suíça, o então presidente Lula se emocionou e chorou de alegria. Eu também chorei aqui no Brasil, mas de espanto e de tristeza. A festa lá acabou terminando em carnaval (aliás, tudo por aqui acaba mesmo em carnaval, ou em pizza...) e eu tive vergonha de ser brasileiro. Um país mais pobre, mas sério, jamais pensaria em copa; mas, se aceitasse, começaria a preparação no dia seguinte. Aqui, passaram dois anos, dedicados à campanha eleitoral de 2010. O resultado está aí: atrasos, orçamentos estourados, o caso escandaloso do Corinthians e, o que é pior, a esperança (prometida) de investimentos pesados na infraestrutura de mobilidade urbana, que vai ficar para outra copa. Nossa juventude percebeu essas coisas e saiu para as ruas.

Essa dinheirama desperdiçada para venerar os cartolas da FIFA e da CBF e os jogadores milionários, bem que poderia ser um bom início para investimentos de impacto na educação, na saúde, na infraestrutura esculhambada do país, na segurança etc., mazelas que nos assolam e são o gargalo que entrava o sonho de termos uma sociedade mais justa e igualitária. E olha que ainda vêm por aí as Olimpíadas...

A verdade é que o brasileiro e seus governantes há décadas perderam (se é que já tiveram...) a capacidade de olhar para frente, para o futuro. O que vamos ganhar pelo fato de sediar uma copa mundial de futebol? Só para provar que somos o país de chuteiras? Não seria muito melhor ostentarmos uma pátria de livros, trocando o domínio dos pés enchuteirados pela supremacia do cérebro inteligente e educado?

Caímos no engodo do país rico, do consumo desenfreado, da 6ª. economia do mundo. A economia (leia-se, o capitalismo) não perdoa. Alguém, algum dia, vai pagar a conta. O triste dessa história é que o pior sobra para os milhões de pobres. Deslumbrados, agimos como aquele pobre que ganhou na loteria e no dia seguinte comeu todo o dinheiro. Ou como nos ensina a sabedoria popular: “quem nunca comeu mel (ou melado), quando come se lambuza”.

Que me desculpem meus leitores, às vezes penso que estou marchando na contramão da história. Só o futuro dirá se tenho ou não razão. Escrevo livremente o que eu penso. Não sou ligado a partidos políticos. Sou apenas um simples cidadão que se esforça para colaborar naquilo que possa fazer pelo país (sou professor voluntário na UFMG) e que sonha em viver numa sociedade igualitária, educada, sadia e feliz.

Resta-nos torcer para que a “pátria de protestos” se transforme na “pátria de esperanças”, de riquezas, não das riquezas materiais, mas a riqueza da igualdade social, da educação, da saúde, da civilidade, da justiça, da tranquilidade, da segurança. Se não conseguirmos essa riqueza, continuaremos sendo apenas a “pátria de chuteiras”.

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