Pescar em Resende Costa não é fácil. Aí por cima dessa laje só é possível pescar lagartixas, tanto que somos chamados de “lagartixas” pelo povo da região. Dos corgos (é “corgo” mesmo...) da redondeza os peixes infelizmente já sumiram há muito tempo, pela degradação ambiental de anos passados. Ainda assim a gente vê pescadores inveterados como o Tião da Caixa, o Né do Chico Daniel, o Camilo Bananeira, o Gilberto da Copasa, os filhos do Toninho Pacote, o Tinô e seu filho Vinícius, entre outros, andando pra lá e pra cá com varas de pescar na mão. Mas tem uma turma teimosa que gosta de andar bem mais longe atrás de peixes: o Joãozinho do Galo, o Dr. Luiz do Góes, o Ronaldinho do Antônio Pelado, o Jairo Angeli, o Adelino da Amélia, o Vicente do Açougue, o João Barriga, o Grilo do Antônio Honório, o Tino, o Vinícius e outros, de quem não me lembro agora.
Pois é. No ano passado, alguns dessa turma subiram até a cidade de São Francisco, norte de Minas, atrás de uma boa pesca. Pescaram e comeram tudo a que tinham direito. Voltaram pra casa com o fríser e as caixas térmicas entupidos de peixes. Como todo bom pescador, lógico, certamente acrescentando alguns centímetros e alguns quilinhos a mais nos peixes pescados. Até aí, tudo bem.
Animados com o sucesso do ano anterior, programaram nova ida ao mesmo lugar. Dessa vez, com um inusitado pescador: o Pe. Geraldo, nosso pároco. Devem ter pensado: se os peixes não aparecerem, uma boa bênção pode ser melhor que uma ótima isca. Se alguém não sabia, o Pe. Geraldo, além de pescar almas, gosta muito de pescar seus peixinhos. Assim, subiram Minas acima o Joãozinho, o Luiz, o Ronaldinho, o Jairo, o Pe. Geraldo, o tradicional e famoso mestre-cuca Faé e mais dois metidos a pescador, pescadores de meia-vara, eu e meu filho Cláudio, o Cacau. Prepararam tudo com esmero. Botaram uma baita tralha nas camionetes e partiram felizes.
Para quem ainda não teve essa experiência, não tem nada mais gostoso do que entrar num barco e subir e descer o São Francisco. Há todo o clima de magia, de encantamento e de glamur (sic!) do famoso rio. A gente até se esquece dos peixes. Basta ver o amanhecer, o pôr-do-sol ou o entardecer, apoitado lá no meio do sonolento rio. Mas quando baixa a noite, o céu estrelado, com os primeiros clarões da lua refletidos no espelho das águas, aí a coisa fica indescritível. Pura curtição.
Bem, mas voltemos aos nossos heróis. Como estão na ordem do dia as questões ambientais envolvendo Amazônia, florestas, protestos, índios revoltados, transposição do São Francisco etc. constatou-se, na prática, que, em relação ao ano anterior, a degradação da natureza pode ter interferido não só na pesca, como também na própria navegação. Mesmo assim, nossos experientes pescadores, munidos da licença do IBAMA e de variados tipos de iscas (sarapó, minhoca, minhocuçu, coração de boi, milho cozido, massa de pescar) conseguiram um bom resultado em sua empreitada. Valeu a reza e a bênção do Pe. Geraldo. Bons dourados, com destaque para assanhadas piranhas. Não deram trégua. À vista de tantos homens, as lambisgóias do rio foram comendo, um a um, os caros sarapós. Como sempre, morreram pela boca... e vão acabar na boca dos pescadores.
Muitos peixes foram devolvidos ao rio por não terem o comprimento exigido. Vi, por exemplo, o Jairo pegando dois dourados de uns 40 ou 45 centímetros (sem mentira de pescador!). Quando a gente via, lá longe, aquele primeiro salto brilhante de ouro e prata, dava até água na boca. Aí ele vinha trazendo o bicho com calma e maestria. A fisgada e esse arrasto fazem o momento mágico da pesca. Jogou dentro do barco, soltou o anzol, fez uma carícia neles e os jogou no rio.
Além dos peixes, ficam na lembrança a beleza e a gostosura do rio, o prazer de pescar, o companheirismo, as brincadeiras e gozações que não pouparam nem mesmo o nosso Pe. Geraldo, os palavrões, os apelidos gritados ao cruzar com o barco dos colegas, o gostoso papá e os quitutes do Faé, o churrasco do Jairo, os peixes assados do João do Galo, a briga pelos sarapós, as minipizzas no café da manhã, os causos de Resende Costa, a cervejada e, claro, os 9 litros de cachaça.
A turma voltou satisfeita, já com o pensamento na próxima. Esse pessoal gosta tanto de pescadas que me faz lembrar a estória do pescador caipira. Lá um dia, voltando de uma dessas, o compadre lhe perguntou: muito peixe, cumpadre? Nada, sô, ninhum. Cinco dias sem nehuma biliscada. Mais cumpadre, não é possível! Como agüentou isso? Uai, cumpadre, nossa senhora, pescá já é tão bão e ocê ainda qué que eu pegue peixe?
Pescadores de Resende Costa nas águas do velho Chico
07 de Junho de 2008, por Rosalvo Pinto